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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Surpresa de Natal


Ah se todos os dias tivesse uma surpresa como esta. E foi no dia 24 de dezembro que eu ganhei mais este presente.

Um presente que me deixou emocionado e este comentário em meu blogue:

Grande professor Pedro! Talvez nem lembre da aluna aqui, fui sua aluna no Maria da Glória formanda em 2000. Mas é com imensa felicidade, que mal cabe em meu peito, que lhe digo o quanto vc foi inesquecível na minha vida e na de seus alunos. Afinal quem nunca se perguntou, onde anda, como anda, alguém tem notícias do professor Pedro? Quantas vezes fiz estas perguntas, a meus colegas e amigos que tiveram o privilégio de te conhecer. Meu Natal começou com um gostinho mais do que especial ao rever vc em uma foto de uma colega no face, o que me ajudou a encontrá-lo. Obrigada por fazer parte da melhor fase da minha vida, afinal na adolescência se tornar especial e inesquecível na vida das pessoas não é pra qualquer um. Espero que sua vida seja sempre iluminada e essa luz que vc nos transmite nunca acabe.
Afinal vc é o PROFESSOR PEDRO!!!
Grande abraço.


                          Tatiane Vidal - 24 de dezembro de 2014 15:36


Que imenso prazer te reencontrar depois de 14 anos. Como gostaria de saber de todos aqueles alunos que se formaram nesse ano, e nos anteriores também, vocês também foram muito importantes em minha vida, pois aprendíamos juntos. Riamos juntos, Chorávamos de emoção juntos.

Minhas eternas crianças.


Vez em quando encontrava o Igor, o Montanha, mas foi trabalhar em São Léo e sumiu. 

Ano Novo


Mais um ano passou célere.

Sem sentir ele foi.

Dando as costas a todos, deixando apenas lembranças, muitas das quais jamais se apagarão.

Uma das mais lindas noites deste ano que ora finda, foi o Terceiro Encontro que tive com meus filhos amados, filhos do coração.

Meus ex-alunos e alunas da Escola Lourdes Fontoura, de Sapucaia do Sul.

Naquela noite lá estavam meus filhos-amigos-alunos, que eternamente continuarão a serem minhas crianças amadas:

A quietinha Binha Joaquim, a alegre Ana Paula, sempre Seca, Juliano, que era o magrão da classe, o Marcelo ou Marcelão, que era devagar, quase parando, a Daniele, esperta, a Patricia, sempre com seu jeitinho tímido, a delicada Lucilene que para minha surpresa casou com o Marcelo, e a Roberta, que muitos anos depois a encontrei em Picada Café com marido e filho.

                            Binha

                              Ana Paula

                             Juliano

                             Marcelo

                               Daniela

                            Patrícia

                           Lucilene

                            Roberta

Todos excelentes alunos.

Guardo lembranças vivas desses e de todos os outros alunos, não só do Lourdes Fontoura como os do Maria da Glória, João de Barro, Guerreiro Lima e Rosane Amaral, pois foi um tempo único que jamais voltará.

A todos eles desejo do fundo de meu coração que tenham seus sonhos realizados neste ano que em pouco mais de 12 horas iniciará e que continuem assim, educados, leais, honestos, alegres, bonitos. Afinal de contas foram meus alunos.

Amo vocês, meus filhos.


terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Discos Voadores - A invasão.


No ano ode 1970, estava eu agregado ao 9º Regimento de Infantaria, já que minha QM havia sido extinta, não havendo portanto vaga para mim no efetivo da Unidade. Aliás, em nenhuma outra Unidade do Exército.

No ano 1967, não fizera o Curso de Formação de Sargento em decorrência de uma hospitalização para uma intervenção cirúrgica de uma hérnia inguinal, o que praticamente me alijaria da carreira, porém não deixei a peteca cair e continuei por mais uns anos no serviço ativo.


Em 1970 fui compulsoriamente matriculado no CFC-Curso de Formação de Cabos, a fim de revalidar meu curso para outra QM o que não estava em meus planos, porém, assim sendo ficaria mais um ou dois anos ano no Exército, organizando minha saída da vida militar, para alegria de alguns poucos e tristeza para a maioria esmagadora de Oficiais e Sargentos.


Este foi para mim, por um lado um período tranquilo, já que não estaria ali competindo com ninguém, era cabo velho e qualquer que fosse o resultado eu não ficaria na tropa, nem mesmo seria rebaixado.

Para Diretor do referido curso fora indicado o competente Capitão Justo Botelho Santiago, que bem assessorado faria o melhor curso até então realizado naquela Unidade.

O Capitão levou como aprovisionador do Curso o então 1º Sargento Aldo Borges, que exerceria a função de subtenente, já que era da mesma Companhia do Capitão Justo, a 4ª de Fuzileiros, Companhia onde eu estava agregado.

Ou seja, a “bóia” estaria garantida, e de excelente qualidade, pois o então Primeiro Sargento Borges era fera em organizar o rancho.

                          CFC 70 - Eu ao centro de camiseta branca.

Sabendo de minha trajetória no Exército o referido Capitão, tão logo formado o contingente, me designou para os serviços burocráticos, desenhos, datilografar polígrafos e outros afazeres dentro da parte de instrução.

Um mês após o início do Curso, essa tropa sob o comando do referido e competente Capitão rumou para campos próximos ao Laranjal, em Pelotas, para ali montar acampamento, onde entre outras coisas faríamos vários treinamento e instruções.

No segundo dia fui escalado pelo Capitão para algumas atividades, tendo em vista as instruções de tiro diurno, tiro noturno, morteiro, lança-rojão, granadas-de-mão e metralhadoras.


Determinada noite fizemos o treinamento de tiro noturno, com balas traçantes, tipo de munição que ao ser disparada deixo no ar uma risca vermelha, e entre outras coisas serve para indicar um local que deve ser atacado durante a noite, pois não é de utilização usual em combate.


Os alemães usavam essa munição em seus aviões, nos combates noturno, como forma de abater o moral dos pilotos da RAF e depois dos Aliados e Soviéticos.

Todos os soldados do Curso sentados em uma ravina ouviram a preleção do Capitão sobre o tiro com balas traçantes e tão logo feita sua exposição peguei meu fuzil o famoso FAL e de mão de três carregadores, num total de 45 tiros fiz uma demonstração aos soldados com aquelas maravilhosas balas traçantes.

Indicando com a trajetória da bala traçante o alvo que deveria ser atacado e dando tiros a esmo em duas diferentes direções.

Quase 21 horas e riscos vermelhos cortando o céu naquela noite escura.

Após a demonstração feita por mim, os três sargentos monitores junto com a tropa fizeram centenas de disparos com munição do mesmo tipo. 


Lindo de se ver, o céu negro cortado por infinitos riscos vermelhos que se perdiam de vista, todos eles disparado de oeste para leste e de oeste para nordeste.

Maravilha.

Na manhã seguinte logo após o toque de alvorada, todos foram para o rancho, em meio às árvores onde seria servido o café com leite, muito pão com schimier e bananas à vontade para a tropa.

Estava eu conversando com o Capitão, em pé ao lado da fogueira, quando aproximou-se  o Sargento Borges dizendo ao Capitão que iria até a Colônia Z3, comprar peixes para o almoço. 

O dia recém começava a clarear.

O Capitão autorizou e mandou que eu acompanhasse o Sargento Borges.

Os dois graduados com suas armas na cintura e mais um soldado motorista, foram em um grande caminhão do Exército rumo a tal colônia de pescadores, a Z3.

Era uma vila pobre, as margens da Lagoa dos Patos, que ainda existe, mas vão-se 44 anos, nunca mais voltei por essas plagas.

Quando o caminhão adrentou à vila, com seu motor possante fazendo enorme barulho, antes das 6.30 da manhã, o povo da vila saiu de suas casas e cercou o caminhão.

Não sabia o que estava acontecendo, então com o caminhão ainda em marcha me pus em pé do lado de fora da cabine, momento em que o motorista estancou a marcha.

Todos os civis, mais de 20 pessoas, homens, mulheres e crianças, aglomerados em minha volta, queriam falar, mas não os entendia, já que todos falavam junto.

Levantei a mão direita e pedi que se organizassem para falar, pois assim não conseguia entender e se houvesse algum problema grave nós poderíamos resolver.

Desci do estribo do caminhão, momento em que o Sargento Borges também desceu e ficamos cercados por homens e mulheres humildes que se notava em seus semblantes que havia acontecido algo muito sério e apavorante.

Um dos homens, parecendo ser o líder daquela comunidade perdida no meio do nada, apavorado, meio tropeçando nas palavras me disse:


- Ainda bem que vocês vieram, pois eles estão invadindo a Terra.

Outro pescador falou:

- Nós todos vimos. Foi uma coisa horrorosa. Passamos a noite em claro.

- Calma pessoal – Disse o Sargento Borges – O que está acontecendo.

Uma mulher gritou do meio do povo:

- São os discos voadores. Nós vimos disparando raios.

Dei uma rápida olhada em direção dessa senhora e imediatamente pedi ao que parecia ser o líder comunitário que nos explicasse o que estava acontecendo.

O pobre homem apavorado então relatou que ele e outros passaram a noite em vigília, pois viram para o lado do Laranjal muitas luzes cortando o céu como se fossem raios vermelhos, em várias direções, e se nós já estávamos ali tão cedo é por que alguma coisa de outro mundo estava acontecendo no local.

- Calma pessoal – disse – o que vocês viram esta noite foi um treinamento do Exército, pois estamos acampados a menos de dois quilômetros daqui.

Ai o Sargento Borges, meio rindo disse:

- Nós viemos aqui só para comprar peixe.

Segui conversando com os pescadores e seus familiares dizendo do que se tratava o treinamento e que era para eles se acalmarem, pois nada mais eram que balas traçantes.

O Sargento Borges afastou-se do grupo com dois pescadores a fim de comprar peixes.

Meio desconcertados ficaram a me olhar, enquanto eu dava várias explicações àquele povo humilde e apavorado que juravam ser alienígenas invadindo a nossa Terra.

Voltou o sargento Borges e me disse:

- Não tem peixe.

Voltamos para o acampamento de mãos abanando, mas tranquilos, pois havíamos acalmado aquele povo humilde que estava apavorado com as luzes do outro mundo.

Luzes que apesar de ter apavorado aquele povo, transformara a sua noite em um espetáculo como nunca haviam visto até então.

Fico imaginando o pavor de uma gente humilde vendo aquele espetáculo sem imaginar o que poderia ser. E é assim que surgem tantas e tantas lendas. Pelo desconhecimento, pela ignorância e pelas crendices.

Mas não tinha peixe.

Pô!







segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Incêndio 2


Completando a publicação anterior, deixo aqui meus últimos recuerdos do quase trágico incêndio que aconteceu em nossa humilde casa no ano de 1951.

Mamãe passou frio aquela noite, já que dispunha de um simples casaco para se abrigar, pois não tínhamos muitas roupas.

Hoje, principalmente os jovens de até quarenta anos não tem ideia do que era o Brasil. Um país realmente miserável, e não como hoje onde a maioria esmagadora tem tudo, de celulares, computadores e automóveis, roupinhas de marca e vivem reclamando.

                      Papai, o primeiro a esquerda, numa instrução
                                        de tiro com uma metralhadora Hotchkiss.

Apesar de ser meu pai um respeitável Segundo Sargento do Exército, e considerado pela vizinhança como um homem de posses, não dispúnhamos de quase nada em casa. Era uma casa simples e pobre, só não nos faltava comida, pois quando as coisas apertavam papai tinha a possibilidade de comprar a prazo no Armazém Regimental, que fornecia aos militares compras para serem pagas em diversas parcelas. O que hoje acho não exista mais.

A luz era precária, fornecida pela Companhia Ligth, a água uma calamidade e o esgoto era feito em “cabungos”, onde homens mal alimentados, vestidos com verdadeiros farrapos recolhiam manualmente as fezes da semana em pesados barris de madeira, conforme foi publicado em 3 de março de 2012, com o título Cabungueiros e seus Cabungos, o que vale a pena ler para conhecer essa realidade nenhum pouco humana e não andar por aí feito papagaios repetindo o que os mal intencionados dizem.

Além disso, não dispúnhamos de grandes coisas. Um único roupeiro para toda a família, quase que vazio. Móveis velhos, simples, não tínhamos geladeira, fogão a gás ou outra comodidade a não ser brincar, com brinquedos na maioria por nós mesmo feitos, como cavalinhos de barros, boizinhos feitos com espigas de milho e arame, casinhas de barro, caminhõezinhos feitos com caixinhas de goiabada, com rodas serradas de cabos de vassouras, e assim íamos driblando a penúria.

Apesar da penúria com que todos viviam, a não ser é obvio a mesma e asquerosa elite que sempre se deu bem explorando o povo. Uma elite que desenvolveu em número, mas não desenvolveu sua capacidade de entender a sociedade. Quase todos, pouco ou quase nada tinham outros nem o quase.

               O velho rádio Orbiphon ainda funciona

Um país tão miserável que nessa época morrer com quarenta e cinco ou cinquenta anos era morrer de velhice. Acabado. Esgotado. Esfaimado.

Nesse ano, ainda no mês de março, papai com grande esforço, havia comprado na Companhia Geral de Acessórios um rádio que custou absurdos C$3.800,00, (três mil e oitocentos cruzeiros), mais do que ele ganhava por mês. Um absurdo. Ficara como se diz, com a corda no pescoço.

             Nota Fiscal do referido rádio. Isto é incrível.                     


Este rádio, após 63 anos ainda permanece na família, pois quando casei no ano de 1973 meu pai me presenteou, pois sabia o quando eu apreciava e escutava tal rádio, sintonizando em rádios do Canadá, Suécia, URSS, EUA e outros países, ouvindo programas em português feitos especialmente para o Brasil e países de língua portuguesa.

Papai chegou do quartel ao meio dia, para rapidamente ver a família e almoçar, momento em que foi inteirado do incidente da noite anterior, coisa que pressentira ao entrar no pátio e deparara com a destruição dos móveis e água escorrida para todos os lados, pois mamãe, mesmo fazendo o almoço no velho fogareiro a carvão, lavara a cozinha e colocara o que sobrou do incêndio para o lado de fora, amontoados junto à parede dessa cozinha. A maioria do que sobrara seria usada no fogão a lenha, com exceção da velha mesa de madeira, que mesmo tendo sido transformada em carvão na parte de baixo do tampo, ainda nos serviu até o ano de 1956, quando ao mudarmos de casa ela seria finalmente e com dó descartada.

             Papai segurando a mula, o último é o Sgt. Campos

Pela primeira vez papai não censurou ninguém, muito menos perdeu sua calma, habitualmente inexistente.

Após o almoço voltou ao quartel para o expediente da tarde.

Morávamos a umas dez ou onze quadras do quartel. Tudo feito a pé, pois nem de uma bicicleta dispunha, coisa que só foi adquirir em 1956, quando promovido a subtenente comprou uma nova bicicleta Monark, verde e branca. Nesse ano muitas mudanças ocorreram em nossas vidas, pois ao ser promovido a Subtenente, as coisas começaram a melhorar, mudamos de residência, indo morar à Rua Álvaro chaves nº 413, entre a Tiradentes e a General Telles, a sete quadras da Praça Coronel Pedro Osório, no Centro da cidade. e até um fogão Wallig a gás foi adquirido, e usávamos o gás da Walgas, além da referida bicicleta. 

                      O já Subtenente Floribal, meu pai e seu 
                                        colega Tadeu, também Subtenente

À tarde no antigo Regimento, desesperado, sem saber o que ia fazer para que não passássemos mais uma noite com frio, papai foi falar com seu Coronel Comandante, que condoído com a situação de um de seus melhores e um dos mais conceituados sargentos, imediatamente mandou que o chefe do almoxarifado fornecesse a papai as cobertas que ele precisava, já que havia muitos cobertores, colchas e lençóis que seriam descarregados da unidade.

Naquela mesma tarde chegou a nossa casa uma carroça de colônia do Exército, puxada por uma parelha de belas mulas e um soldado mocorongo condutor de boleia, um negro baixinho e educado, de nome Suli, com o bibico atravessado na cabeça, completamente desalinhado, foi logo informando a mamãe, após perfilar-se e até bater uma continência, como se estivesse diante de um General e a ela passou a entregar aquela quantidade enorme de cobertores, colchas e lençóis.

               Carroça de colônia, quando os russos e 
                           americanos já estavam indo para o 
                           espaço no inicio dos anos 60, o Brasil 
                           ainda movimentava  seu Exercito nisto.


Foi à salvação da Pátria.

Até o ano de 1985 ainda possuía um dos cobertores, que depois de muitos anos servindo de base para passar roupas, foi finalmente descartado de tão velho e roto. Mas ficou a lembrança das noites que aquele e outros cobertores, sobras do Exército, me aqueceram nos frios invernos do Rio Grande.

Apesar da pobreza que se vivia tenho saudades, não da época, mas dos momentos felizes onde vivíamos a cada instante. De meus irmãos crianças ainda a correram pelo pátio, brincando e rindo, e de nossos amigos, os quais a maioria esmagadora não mais existe, mas deixaram muitas lembranças de um tempo de pureza, ingenuidade e também ignorância. Sempre digo a meus irmão, nas raras vezes que pelo telefone falamos, que nós somos sobreviventes de uma época onde a maioria do povo vivia na miséria, com doenças incuráveis e muitíssima injustiças social.

                  O primeiro é o Sargento Schwanz meu padrinho,
                            e a direita papai, também sargento, em desfile de
                            Sete de Setembro.


Um tempo em que simples doenças matavam milhares e milhares de crianças, como a fome que grassava por quase todos os lares de um país que era um verdadeiro circo de horrores, onde leprosos em bandos andavam pelas estradas sendo impedidos de entrarem nas cidades, e ninguém poderá dizer que isto é lenda, pois eu os via com frequência, aqueles bandos de pessoas dilaceradas por uma doença na época incurável e que muitos otários e ignorantes diziam que era um castigo de um suposto deus, onde a polícia matava cidadãos a mando de uma elite atrasada, burra e brutal, o que não mudou muito, onde conviver com a miséria era a tônica e onde morrer era a salvação para as disparidades sociais abissais deste que foi um dos países mais miseráveis do mundo.

domingo, 28 de dezembro de 2014

O Incêndio 1


Corria o ano de 1951, inverno muito frio, daqueles de renguear cusco e como morávamos em Pelotas, enfrentávamos aquela umidade que torna a cidade a mais úmida do mundo.

Dizem até ser mais úmida que Atlântida, que fica a algumas léguas de queixo para Leste no fundo do Oceano Atlântico. Mas bah! Bota umidade nisto.

Entretanto dias ensolarados haviam transformado o nosso rincãozinho “arrabalero” em uma querência iluminada, quentinho ao sol e de um céu anil que doía nos olhinhos.

                        Mamãe (1955)

Mamãe como sempre trabalhava em casa como uma condenada, cuidando de quatro filhos, os alimentando, banhando, lavando e passando, principalmente os impecáveis uniformes de papai, que na época era Segundo Sargento do Exército.

Minha irmã mais velha, Ieda contava com 12 aninhos, era um xiruzinha de belos cabos negros que quando corria pelo pátio fazia com que eles balançassem de um lado para outro, pois eram cabelos lindos e pesados.

Joaquim Luís, geralmente solitário tinha 8 anos, mas era muito atilado para a idade.

                                Eu, o Esqueletinho. 

Eu, um mandinho bacudo, magro de aparecer todos os ossos, tinha naquele ano apenas seis anos, e finalmente Lúcia, a mais nova, e completamente diferente dos demais, pois era a única clarinha da família, com seus cabelos loiros ondulados. A cara do pai e os cabelos do avô materno, um uruguaio neto de espanhol.

Ou seja, um trio de curumins tendo como irmã uma verdadeira Gata Amarela desparceirada na aparência.

Aquele dia não foi um dia atípico. Tudo transcorria com normalidade. Colégio para os dois mais velhos, brincadeiras e muitas entrevero entre os quatro.

Mamãe lavou várias roupas, e como vinha fazendo dias de sol resolveu naquele dia lavar vários cobertores e colchas, porém a umidade aumentou, uma garoa caiu logo após o meio-dia.

Passou-se a tarde e nada da roupa secar, principalmente os cobertores que ela havia estendido em um grande galpão que ficava bem ao fundo da casa.

Nesse galpão havia dois tanques. Um deles enorme que servia como depósito de água, o outro menor que ela usava para lavar as roupas e após deixava-o cheio d’água para alguma precisão, devido à precariedade do abastecimento.

Da cozinha para o pátio interno, onde havia uma grande porta, cujo em sua folha da direita, bem embaixo havia um quarto de circulo aberto que servia de entrada e saída de nossa gata, a Mica, tinha outro tanque que ela mantinha também cheio e coberto com tábuas e uma lona, também para ser usada em caso de necessidade.

A tardinha caíra e como as roupas, principalmente as de cama não havia secado totalmente, mamãe fez em grande jirau de ripas de madeira, usando como base a mesa da cozinha e seis cadeira em volta de um grande fogareiro de ferro fundido, a carvão, onde em alguns dias de sol ela cozinhava aquelas comidas saborosas feitas naquele pátio interno.

Hoje as dondocas reclamam do serviço de casa tendo fogões a gás, micro-ondas, fornos e fogões elétricos etc. e tal.

Sobre esse jirau mamãe estendeu com cuidado as roupas e com o fogareiro acesso embaixo secaria principalmente os cobertores.

Vez em quando ela ia até a cozinha e dava uma olhada nas roupas, mas mantinha a porta de acesso às outras peças fechada para que nenhum filho fizesse alguma traquinagem.

A noite caiu. Papai estava mais uma vez de serviço no quartel, onde passaria aquela noite, provavelmente de sargento-de-dia em sua Companhia. Não lembro se a Quarta de Fuzileiros ou uma de Petrechos Pesados.

                        Eu e Norma, 62 anos depois.

Quando chegou por volta das dezenove horas, o dia já escuro chegaram à nossa casa as menina Norma e Milani filhas do Senhor Ricardo Stein e de Dona Susana Klomp Stein, vizinhos que moravam em uma chácara ao fundo de nossa casa, com acesso por uma servidão de passagem ao lado de nosso pátio.

Quando elas chegavam, a alegria era a tônica, principalmente com as histórias da bela Milani, sempre algariada. Ambas eram pinguanchitas, belíssimas. Mas muito bonitas.

Lá pelas tantas as duas irmãs recolheram-se para sua casa e nós ficamos à porta do lado, pátio externo olhando as meninas que pela servidão de passagem, chamada de Corredor das Bochas iam folheiritas, iluminadas pela também belíssima Lua.

Entramos momento em que mamãe trancou a porta lateral e foi dar uma olhada nas roupas que secavam sobre o calor do fogareiro a carvão.

No momento em que ela abriu a porta interna que dava acesso à cozinha, a corrente de ar fez com que grandes labaredas se esparramassem de relancina por esta peça que era a maior da casa.

Provavelmente a gata Mica tenha, naquele dia frio, procurado um lugar quentinho para dormir e em saltar para cima dos cobertores fizesse com que uma ponta da coberta caísse dentro do fogareiro o que foi de imediato incendiada.

Mamãe ao ver as chamas lambendo o forro da cozinha, num pulo correu esquivando-se do fogo, abriu a porta do pátio lateral e com um balde de lata, usando primeiramente a água do tanque coberto começou numa luta titânica contra as labaredas que tomavam conta da cozinha.

Extenuada, não desistia e quando neste tanque faltou água corria para o galpão dos fundos e de lá incansavelmente trazia baldes e baldes d’água até debelar o fogo.

Todos os cobertores, colchas e algumas roupas não conseguiu salvar, tampouco três cadeiras e a mesa que ficou parcialmente destruída.

Enquanto mamãe como uma heroína peleava para debelar as chamas, Lúcia no desespero de uma criança de três anos, querendo ajudar a debelar o fogo, vendo mamãe desesperadamente jogar baldes e mais baldes d’água, jogou um tamanco de madeira no fogo para espantar aquele bicho que tudo queimava.

Foi hilário e ao mesmo tempo triste.

Após muito lutar como uma fera mamães consegui finalmente apagar as chamas e com mais calma fazer o rescaldo.

Como era uma noite muito fria, mamãe nos colocou em dois colchões em um canto da sala e nos cobriu com alguns panos, casacões e algumas roupas, pois nada restara para servir de coberta.

Mamãe dormiu coberta em sua cama com apenas um casaco.

                            Mamãe. (anos 70)

Minha amada heroína. 


Glossário:

Algariada – Brincalhona. Cabeça-nas-nuvens – Alegre.
Arrabalero - Distante. Arrabaldes.
Bacudo – Sem cultura. Ignorante.
Cabos negros: Cabelos negros.
Curumins – Meninos.
Cusco – Cachorro pequeno. Vira-latas.
Desparceirada – Sem parceiro. Apartada.
Entrevero – Rusga. Briga.
Folheiritas – Rápidas. Sem percalços.
Jirau: Trempe. Suporte.
Légua de Queixo – Longe. Mais longe do que légua de beiço.
Mandinho – Menino pequeno. Piá.
Peleava: Lutava
Pinguanchitas – Meninas. Mocinhas.
Precisão: Necessidade.
Querência – Terra natal. Lugar onde se vive e ama.
Relanciana – Rapidamente.
Xiruzinha: - Indiazinha.