Completando a publicação
anterior, deixo aqui meus últimos recuerdos do quase trágico incêndio que
aconteceu em nossa humilde casa no ano de 1951.
Mamãe passou frio aquela
noite, já que dispunha de um simples casaco para se abrigar, pois não tínhamos
muitas roupas.
Hoje, principalmente os
jovens de até quarenta anos não tem ideia do que era o Brasil. Um país
realmente miserável, e não como hoje onde a maioria esmagadora tem tudo, de
celulares, computadores e automóveis, roupinhas de marca e vivem reclamando.
Papai, o primeiro a esquerda, numa instrução
de tiro com uma metralhadora Hotchkiss.
de tiro com uma metralhadora Hotchkiss.
Apesar de ser meu pai um
respeitável Segundo Sargento do Exército, e considerado pela vizinhança como um
homem de posses, não dispúnhamos de quase nada em casa. Era uma casa simples e
pobre, só não nos faltava comida, pois quando as coisas apertavam papai tinha a
possibilidade de comprar a prazo no Armazém Regimental, que fornecia aos
militares compras para serem pagas em diversas parcelas. O que hoje acho não
exista mais.
A luz era precária,
fornecida pela Companhia Ligth, a água uma calamidade e o esgoto era feito em
“cabungos”, onde homens mal alimentados, vestidos com verdadeiros farrapos
recolhiam manualmente as fezes da semana em pesados barris de madeira, conforme
foi publicado em 3 de março de 2012, com o título Cabungueiros e seus Cabungos,
o que vale a pena ler para conhecer essa realidade nenhum pouco humana e não
andar por aí feito papagaios repetindo o que os mal intencionados dizem.
Além disso, não dispúnhamos
de grandes coisas. Um único roupeiro para toda a família, quase que vazio. Móveis
velhos, simples, não tínhamos geladeira, fogão a gás ou outra comodidade a não
ser brincar, com brinquedos na maioria por nós mesmo feitos, como cavalinhos de
barros, boizinhos feitos com espigas de milho e arame, casinhas de barro,
caminhõezinhos feitos com caixinhas de goiabada, com rodas serradas de cabos de
vassouras, e assim íamos driblando a penúria.
Apesar da penúria com que
todos viviam, a não ser é obvio a mesma e asquerosa elite que sempre se deu bem
explorando o povo. Uma elite que desenvolveu em número, mas não desenvolveu sua
capacidade de entender a sociedade. Quase todos, pouco ou quase nada tinham
outros nem o quase.
O velho rádio Orbiphon ainda funciona
Um país tão miserável que
nessa época morrer com quarenta e cinco ou cinquenta anos era morrer de
velhice. Acabado. Esgotado. Esfaimado.
Nesse ano, ainda no mês de
março, papai com grande esforço, havia comprado na Companhia Geral de
Acessórios um rádio que custou absurdos C$3.800,00, (três mil e oitocentos
cruzeiros), mais do que ele ganhava por mês. Um absurdo. Ficara como se diz,
com a corda no pescoço.
Nota Fiscal do referido rádio. Isto é incrível.
Este rádio, após 63 anos
ainda permanece na família, pois quando casei no ano de 1973 meu pai me
presenteou, pois sabia o quando eu apreciava e escutava tal rádio, sintonizando
em rádios do Canadá, Suécia, URSS, EUA e outros países, ouvindo programas em
português feitos especialmente para o Brasil e países de língua portuguesa.
Papai chegou do quartel ao
meio dia, para rapidamente ver a família e almoçar, momento em que foi
inteirado do incidente da noite anterior, coisa que pressentira ao entrar no
pátio e deparara com a destruição dos móveis e água escorrida para todos os
lados, pois mamãe, mesmo fazendo o almoço no velho fogareiro a carvão, lavara a
cozinha e colocara o que sobrou do incêndio para o lado de fora, amontoados junto
à parede dessa cozinha. A maioria do que sobrara seria usada no fogão a lenha, com exceção da velha mesa de madeira, que mesmo tendo sido transformada em carvão na parte de baixo do tampo, ainda nos serviu até o ano de 1956, quando ao mudarmos de casa ela seria finalmente e com dó descartada.
Papai segurando a mula, o último é o Sgt. Campos
Pela primeira vez papai não
censurou ninguém, muito menos perdeu sua calma, habitualmente inexistente.
Após o almoço voltou ao
quartel para o expediente da tarde.
Morávamos a umas dez ou onze
quadras do quartel. Tudo feito a pé, pois nem de uma bicicleta dispunha, coisa
que só foi adquirir em 1956, quando promovido a subtenente comprou uma nova
bicicleta Monark, verde e branca. Nesse ano muitas mudanças ocorreram em nossas vidas, pois ao ser promovido a Subtenente, as coisas começaram a melhorar, mudamos de residência, indo morar à Rua Álvaro chaves nº 413, entre a Tiradentes e a General Telles, a sete quadras da Praça Coronel Pedro Osório, no Centro da cidade. e até um fogão Wallig a gás foi adquirido, e usávamos o gás da Walgas, além da referida bicicleta.
O já Subtenente Floribal, meu pai e seu
colega Tadeu, também Subtenente
colega Tadeu, também Subtenente
À tarde no antigo Regimento,
desesperado, sem saber o que ia fazer para que não passássemos mais uma noite
com frio, papai foi falar com seu Coronel Comandante, que condoído com a
situação de um de seus melhores e um dos mais conceituados sargentos,
imediatamente mandou que o chefe do almoxarifado fornecesse a papai as cobertas
que ele precisava, já que havia muitos cobertores, colchas e lençóis que seriam
descarregados da unidade.
Naquela mesma tarde chegou a
nossa casa uma carroça de colônia do Exército, puxada por uma parelha de belas
mulas e um soldado mocorongo condutor de boleia, um negro baixinho e educado,
de nome Suli, com o bibico atravessado na cabeça, completamente desalinhado,
foi logo informando a mamãe, após perfilar-se e até bater uma continência, como
se estivesse diante de um General e a ela passou a entregar aquela quantidade
enorme de cobertores, colchas e lençóis.
Carroça de colônia, quando os russos e
americanos já estavam indo para o
espaço no inicio dos anos 60, o Brasil
ainda movimentava seu Exercito nisto.
Foi à salvação da Pátria.
Até o ano de 1985 ainda
possuía um dos cobertores, que depois de muitos anos servindo de base para
passar roupas, foi finalmente descartado de tão velho e roto. Mas ficou a
lembrança das noites que aquele e outros cobertores, sobras do Exército, me
aqueceram nos frios invernos do Rio Grande.
Apesar da pobreza que se
vivia tenho saudades, não da época, mas dos momentos felizes onde vivíamos a
cada instante. De meus irmãos crianças ainda a correram pelo pátio, brincando e
rindo, e de nossos amigos, os quais a maioria esmagadora não mais existe, mas
deixaram muitas lembranças de um tempo de pureza, ingenuidade e também
ignorância. Sempre digo a meus irmão, nas raras vezes que pelo telefone falamos, que nós somos sobreviventes de uma época onde a maioria do povo vivia na miséria, com doenças incuráveis e muitíssima injustiças social.
O primeiro é o Sargento Schwanz meu padrinho,
e a direita papai, também sargento, em desfile de
Sete de Setembro.
Um tempo em que simples
doenças matavam milhares e milhares de crianças, como a fome que grassava por
quase todos os lares de um país que era um verdadeiro circo de horrores, onde
leprosos em bandos andavam pelas estradas sendo impedidos de entrarem nas cidades,
e ninguém poderá dizer que isto é lenda, pois eu os via com frequência, aqueles
bandos de pessoas dilaceradas por uma doença na época incurável e que muitos
otários e ignorantes diziam que era um castigo de um suposto deus, onde a
polícia matava cidadãos a mando de uma elite atrasada, burra e brutal, o que
não mudou muito, onde conviver com a miséria era a tônica e onde morrer era a
salvação para as disparidades sociais abissais deste que foi um dos países mais
miseráveis do mundo.
Olá Sr. Pedro, sou Fábio e tenho uma página sobre Pelotas, onde posto fotos antigas, e a pouco tomei liberdade e postei uma foto tua em que saiu em outro blog do Sr. Vidal o "Pelotas Capital Cultural", foto das "meninas do laranjal". Parabéns pelo blog. Gostaria de saber se as fotos acima são em Pelotas e gostaria de saber se posso posta-las na minha página, com os créditos é claro. E se tiver mais fotos antigas de Pelotas para nos enviar, seria demais. Convido para visitar em https://www.facebook.com/preteritaurbe e setiver fotos pode ser pelo face ou no e-mail preteritaurbe@hotmail.com. Abraços!!
ResponderExcluirOlá Fábio.
ResponderExcluirFico honrado com tua visita.
A primeira foto desta página foi tomada em Saicã, nas terras do Exército Brasileiro em Cacequi-RS. A quinta e a sexta foto foram dentro do antigo 9º RI, hoje batalhão,, lá no Fragata. O desfile militar foi na Avenida Bento Gonçalves, em 1952, na época em que havia trilhos e os bondes ainda circulavam pela Cidade.
Vou fazer uma triagem de fotos para com o tempo mandar-te.
Obviamente ponho estas e outras fotos à disposição para serem divulgadas. São para mim históricas.
Leia neste blogue o post com o título "Cabungueiros e seus Cabungos" é mui interessante e vale a pena dar uma olhada.
Tenhas um excelente final de ano e que o 2015 seja cheio de boas realizações com saúde e paz.
Fraterno abraço.
Olá Sr. Pedro, obrigado pelas respostas e atenção! Pois pra mim também fotos históricas e únicas e que por sí só contam muita coisas, o que dirá para os que viveram o tempo delas. Precisam ser preservadas para o futuro, com certeza haverá interessados nas histórias que elas contam, esse é o intuído da minha página. Obrigado novamente e um feliz 2015! Abraço!!
ExcluirOlá Fábio.
ResponderExcluirPassada essa correria de fim de ano poderei me dedicar a ver essas fotos para te mandar.
Fico honrado com tua visita, manteremos contato. Estou para ir à Pelotas, só ainda não tenho uma data.
Um grande e fraterno abraço.