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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Incêndio 2


Completando a publicação anterior, deixo aqui meus últimos recuerdos do quase trágico incêndio que aconteceu em nossa humilde casa no ano de 1951.

Mamãe passou frio aquela noite, já que dispunha de um simples casaco para se abrigar, pois não tínhamos muitas roupas.

Hoje, principalmente os jovens de até quarenta anos não tem ideia do que era o Brasil. Um país realmente miserável, e não como hoje onde a maioria esmagadora tem tudo, de celulares, computadores e automóveis, roupinhas de marca e vivem reclamando.

                      Papai, o primeiro a esquerda, numa instrução
                                        de tiro com uma metralhadora Hotchkiss.

Apesar de ser meu pai um respeitável Segundo Sargento do Exército, e considerado pela vizinhança como um homem de posses, não dispúnhamos de quase nada em casa. Era uma casa simples e pobre, só não nos faltava comida, pois quando as coisas apertavam papai tinha a possibilidade de comprar a prazo no Armazém Regimental, que fornecia aos militares compras para serem pagas em diversas parcelas. O que hoje acho não exista mais.

A luz era precária, fornecida pela Companhia Ligth, a água uma calamidade e o esgoto era feito em “cabungos”, onde homens mal alimentados, vestidos com verdadeiros farrapos recolhiam manualmente as fezes da semana em pesados barris de madeira, conforme foi publicado em 3 de março de 2012, com o título Cabungueiros e seus Cabungos, o que vale a pena ler para conhecer essa realidade nenhum pouco humana e não andar por aí feito papagaios repetindo o que os mal intencionados dizem.

Além disso, não dispúnhamos de grandes coisas. Um único roupeiro para toda a família, quase que vazio. Móveis velhos, simples, não tínhamos geladeira, fogão a gás ou outra comodidade a não ser brincar, com brinquedos na maioria por nós mesmo feitos, como cavalinhos de barros, boizinhos feitos com espigas de milho e arame, casinhas de barro, caminhõezinhos feitos com caixinhas de goiabada, com rodas serradas de cabos de vassouras, e assim íamos driblando a penúria.

Apesar da penúria com que todos viviam, a não ser é obvio a mesma e asquerosa elite que sempre se deu bem explorando o povo. Uma elite que desenvolveu em número, mas não desenvolveu sua capacidade de entender a sociedade. Quase todos, pouco ou quase nada tinham outros nem o quase.

               O velho rádio Orbiphon ainda funciona

Um país tão miserável que nessa época morrer com quarenta e cinco ou cinquenta anos era morrer de velhice. Acabado. Esgotado. Esfaimado.

Nesse ano, ainda no mês de março, papai com grande esforço, havia comprado na Companhia Geral de Acessórios um rádio que custou absurdos C$3.800,00, (três mil e oitocentos cruzeiros), mais do que ele ganhava por mês. Um absurdo. Ficara como se diz, com a corda no pescoço.

             Nota Fiscal do referido rádio. Isto é incrível.                     


Este rádio, após 63 anos ainda permanece na família, pois quando casei no ano de 1973 meu pai me presenteou, pois sabia o quando eu apreciava e escutava tal rádio, sintonizando em rádios do Canadá, Suécia, URSS, EUA e outros países, ouvindo programas em português feitos especialmente para o Brasil e países de língua portuguesa.

Papai chegou do quartel ao meio dia, para rapidamente ver a família e almoçar, momento em que foi inteirado do incidente da noite anterior, coisa que pressentira ao entrar no pátio e deparara com a destruição dos móveis e água escorrida para todos os lados, pois mamãe, mesmo fazendo o almoço no velho fogareiro a carvão, lavara a cozinha e colocara o que sobrou do incêndio para o lado de fora, amontoados junto à parede dessa cozinha. A maioria do que sobrara seria usada no fogão a lenha, com exceção da velha mesa de madeira, que mesmo tendo sido transformada em carvão na parte de baixo do tampo, ainda nos serviu até o ano de 1956, quando ao mudarmos de casa ela seria finalmente e com dó descartada.

             Papai segurando a mula, o último é o Sgt. Campos

Pela primeira vez papai não censurou ninguém, muito menos perdeu sua calma, habitualmente inexistente.

Após o almoço voltou ao quartel para o expediente da tarde.

Morávamos a umas dez ou onze quadras do quartel. Tudo feito a pé, pois nem de uma bicicleta dispunha, coisa que só foi adquirir em 1956, quando promovido a subtenente comprou uma nova bicicleta Monark, verde e branca. Nesse ano muitas mudanças ocorreram em nossas vidas, pois ao ser promovido a Subtenente, as coisas começaram a melhorar, mudamos de residência, indo morar à Rua Álvaro chaves nº 413, entre a Tiradentes e a General Telles, a sete quadras da Praça Coronel Pedro Osório, no Centro da cidade. e até um fogão Wallig a gás foi adquirido, e usávamos o gás da Walgas, além da referida bicicleta. 

                      O já Subtenente Floribal, meu pai e seu 
                                        colega Tadeu, também Subtenente

À tarde no antigo Regimento, desesperado, sem saber o que ia fazer para que não passássemos mais uma noite com frio, papai foi falar com seu Coronel Comandante, que condoído com a situação de um de seus melhores e um dos mais conceituados sargentos, imediatamente mandou que o chefe do almoxarifado fornecesse a papai as cobertas que ele precisava, já que havia muitos cobertores, colchas e lençóis que seriam descarregados da unidade.

Naquela mesma tarde chegou a nossa casa uma carroça de colônia do Exército, puxada por uma parelha de belas mulas e um soldado mocorongo condutor de boleia, um negro baixinho e educado, de nome Suli, com o bibico atravessado na cabeça, completamente desalinhado, foi logo informando a mamãe, após perfilar-se e até bater uma continência, como se estivesse diante de um General e a ela passou a entregar aquela quantidade enorme de cobertores, colchas e lençóis.

               Carroça de colônia, quando os russos e 
                           americanos já estavam indo para o 
                           espaço no inicio dos anos 60, o Brasil 
                           ainda movimentava  seu Exercito nisto.


Foi à salvação da Pátria.

Até o ano de 1985 ainda possuía um dos cobertores, que depois de muitos anos servindo de base para passar roupas, foi finalmente descartado de tão velho e roto. Mas ficou a lembrança das noites que aquele e outros cobertores, sobras do Exército, me aqueceram nos frios invernos do Rio Grande.

Apesar da pobreza que se vivia tenho saudades, não da época, mas dos momentos felizes onde vivíamos a cada instante. De meus irmãos crianças ainda a correram pelo pátio, brincando e rindo, e de nossos amigos, os quais a maioria esmagadora não mais existe, mas deixaram muitas lembranças de um tempo de pureza, ingenuidade e também ignorância. Sempre digo a meus irmão, nas raras vezes que pelo telefone falamos, que nós somos sobreviventes de uma época onde a maioria do povo vivia na miséria, com doenças incuráveis e muitíssima injustiças social.

                  O primeiro é o Sargento Schwanz meu padrinho,
                            e a direita papai, também sargento, em desfile de
                            Sete de Setembro.


Um tempo em que simples doenças matavam milhares e milhares de crianças, como a fome que grassava por quase todos os lares de um país que era um verdadeiro circo de horrores, onde leprosos em bandos andavam pelas estradas sendo impedidos de entrarem nas cidades, e ninguém poderá dizer que isto é lenda, pois eu os via com frequência, aqueles bandos de pessoas dilaceradas por uma doença na época incurável e que muitos otários e ignorantes diziam que era um castigo de um suposto deus, onde a polícia matava cidadãos a mando de uma elite atrasada, burra e brutal, o que não mudou muito, onde conviver com a miséria era a tônica e onde morrer era a salvação para as disparidades sociais abissais deste que foi um dos países mais miseráveis do mundo.

4 comentários:

  1. Olá Sr. Pedro, sou Fábio e tenho uma página sobre Pelotas, onde posto fotos antigas, e a pouco tomei liberdade e postei uma foto tua em que saiu em outro blog do Sr. Vidal o "Pelotas Capital Cultural", foto das "meninas do laranjal". Parabéns pelo blog. Gostaria de saber se as fotos acima são em Pelotas e gostaria de saber se posso posta-las na minha página, com os créditos é claro. E se tiver mais fotos antigas de Pelotas para nos enviar, seria demais. Convido para visitar em https://www.facebook.com/preteritaurbe e setiver fotos pode ser pelo face ou no e-mail preteritaurbe@hotmail.com. Abraços!!

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  2. Olá Fábio.
    Fico honrado com tua visita.
    A primeira foto desta página foi tomada em Saicã, nas terras do Exército Brasileiro em Cacequi-RS. A quinta e a sexta foto foram dentro do antigo 9º RI, hoje batalhão,, lá no Fragata. O desfile militar foi na Avenida Bento Gonçalves, em 1952, na época em que havia trilhos e os bondes ainda circulavam pela Cidade.
    Vou fazer uma triagem de fotos para com o tempo mandar-te.
    Obviamente ponho estas e outras fotos à disposição para serem divulgadas. São para mim históricas.
    Leia neste blogue o post com o título "Cabungueiros e seus Cabungos" é mui interessante e vale a pena dar uma olhada.
    Tenhas um excelente final de ano e que o 2015 seja cheio de boas realizações com saúde e paz.
    Fraterno abraço.

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    1. Olá Sr. Pedro, obrigado pelas respostas e atenção! Pois pra mim também fotos históricas e únicas e que por sí só contam muita coisas, o que dirá para os que viveram o tempo delas. Precisam ser preservadas para o futuro, com certeza haverá interessados nas histórias que elas contam, esse é o intuído da minha página. Obrigado novamente e um feliz 2015! Abraço!!

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  3. Olá Fábio.
    Passada essa correria de fim de ano poderei me dedicar a ver essas fotos para te mandar.
    Fico honrado com tua visita, manteremos contato. Estou para ir à Pelotas, só ainda não tenho uma data.
    Um grande e fraterno abraço.

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