Passo a contar mais um pedacinho da história de minha família. Outro caso envolvendo minha bisavó Maria Emília Pereira de Farias, mãe de minha avó paterna Idelvira de Farias Teixeira, a vovó Bibira.
Já contei o caso do Mascate árabe que ela friamente mandara para a terra dos pés juntos, no início de Século passado, em matéria publicada em 05 de julho do ano passado.
Sabia da história em partes, porém há uns quatro anos tia Maria Rafaela falecida no dia 22 de janeiro do ano passado, aos 98 anos de idade, me relatou tal fato em seus pormenores, após ter a ela pedido que me contasse o caso das crianças que Vovó Nanãe, Maria Emília queria sangrar feito porcos para se vingar de um desafeto que era o pai dessas crianças.
Pobrezinha de Tia Maria, concordou em me contar a história, mas pediu encarecidamente que eu não contasse a ninguém, pois a Polícia, se soubesse, poderia investigar o caso. Rindo disse à Titia que a polícia não investiga milhares de casos que ocorrem todos os dias porque iria investigar um caso ocorrido há mais de cem anos?
Tal história relato em meu livro de memórias ainda sem título, que anda mais encruado do que unha encravada. Mas um belo dia sai.
Maria Emília era uma mulher de traços tipicamente nativa das terras pré-colombianas, uma índia despachada, maleva, cruel e desapiedada.
Muitas histórias ouvi, ainda quando criança, sobre minha bisavó, contadas entre minha avó Idelvira, minha tia Maria Rafaela e minha mãe, cochichando baixo para não serem ouvidas, mas eu, muitas vezes brincando por perto ouvia em silêncio, guardando tudo na memória, inclusive histórias de desafetos que Maria Emília, fria e pessoalmente despachara para a terra dos pés juntos, sem precisar para tal usar capangas para a empreitada.
Certa vez, por ter em Juvêncio Pereira um desafeto de morte, por sinal de mesmo sobrenome, que era um rude homem encrenqueiro, e vivia em desavenças, ora com um, ora com outro, Maria Emília decidiu vingar-se de tal inimigo.
Certo início de tarde conseguiu arrastar os quatro filhos de Juvêncio, todos pequenos para dentro de um mato e depois de amarrá-los a uma árvore, resolveu degolá-los. Para tal foi até sua casa que ficava a mais de légua de queixo de distância, pegar sua carneadeira. Excelente faca com que ela carneava porcos e outros animais, para também sangrar as indefesas crianças, o que demorou mais de uma hora, fazendo voltas para despistar alguém que a tivesse visto com o piazedo.
Ao chegar a sua casa encontrou a mulher de Juvêncio, desesperada, aos prantos e de joelhos ao solo, implorando que não matasse as crianças, pois sabia que seus filhos só poderiam estar em algum lugar escondidos por ela. E foram tantos os choros e gemidos sentidos que Maria Emília compadeceu-se de tal mulher, coisa difícil de acontecer e mandou que essa esperasse em casa e que teria os filhos de volta.
Voltou logo após para os matos onde havia deixado às crianças, agora armada de sua carneadeira e ao chegar, já ao entardecer, encontrou as quatro crianças desesperadas, já sem forças para chorar e apavoradas.
Após desamarrar os pequenos, Maria Emília disse que não iria matá-los, pois se compadecera de sua mãe, tão desesperada, mas que haveria de acertar as contas com o seu pai, o próprio Juvêncio.
E avisou:
- Digam a seu pai, que amanhã eu vou à procura dele para matá-lo.
As crianças desesperadas e perdidas correram pelo mato, dando com os costados em um típico rancho do Brasil atrasado que era. Rancho de leivas de terra, coberto de sapé. Esse rancho em meio a um pajonal, bambus e unhas-de-gato, árvore conhecida hoje como maricá, pertencia a uma bugra de nome Nica Santeira, que além de parteira era uma curandeira das buenachas, de excepcionais chás “miraculosos”.
Dois guaipécas magros e galgos de fome latiram no terreiro ao lado esquerdo do rancho, terreiro cercado de árvores finas e tortas e muita taquareira ao redor.
Ao ouvir os cachorros a velha índia santeira, charrua que andava sempre descalça, após saber do que se tratava, acolheu as crianças, alimentando-as com leite e pão e após levou-os, estrada a fora até encontrar a desesperada mãe que os aguardava em sua casa aos prantos, já caída à noite.
A tal índia Nica Santeira era assim chamada porque esculpia alguns santos em barro, que utilizava em suas rezas e xamanismos, onde o povo rude, ignorante e doente acorria a seu rancho na única esperança que tinha para curar seus males e em meio a velas e infusões preparadas pela charrua e ficava esperançoso em recuperar a saúde desde o nascimento comprometida pela extrema fome e miséria em que viviam.
Maria Emília realmente era uma mulher fria e sem remorsos, mas havia cumprido o prometido à desesperada mãe, pois acima de tudo era uma mulher de palavra, e sendo assim no outro dia mataria o tal Juvêncio Pereira, pois o havia jurado de morte às crianças. E isso, ela sendo Farias, faria.
Sabendo disso Juvêncio Pereira, não se fez esperar, e naquela mesma noite montou em seu flete, com sua mala de garupa e se tapou de bicho, não deixando rastro e nunca mais foi visto pelas redondezas e nem pelas "quadradezas da Vila Freire, nesta época pertencente ao Município de Canguçu, dias depois a infeliz mulher e os quatro filhos, pegaram um trem na Estação Cerrito, carregados de sacos e malas e sumiram também neste mundéu".
Olá, Pedro Teixeira. Espero encontrar o senhor bem. Gostei muito de ler essa história. Eu pesquiso o bandido Juvêncio Pereira há alguns anos, fiz um TCC sobre ele e atualmente pesquiso a quadrilha que ele comandava, no meu doutoramento em História pela UFPel. Gostaria de saber se o senhor conhece mais algum detalhe sobre tal relato. De qualquer forma, parabenizo-o por compartilhar essas histórias. Deixo o link do meu tcc sobre o "bandido": https://wp.ufpel.edu.br/historia/files/2020/04/D%C3%A1rio-Milech-Neto.pdf Atenciosamente.
ResponderExcluirBom dia caro leitor Dário Milech Neto, saúde e alegria.
ExcluirNas voltas deste mundo caborteiro vamos encontrando causos que nos ligam. Porém neste caso sobre o bandido Juvêncio Pereira pouco sei, mas vou enriquecer meus conhecimentos lendo o teu TCC. Tudo o que sei foi por minha Tia Maria contado sobre a avó dela, minha bisavô, que era chamada em casa de Nanãe ou Nanãezinha, os amigos chamavam-na de Mézinha e os inimigos a conheciam com Birja. Ela como Birja já havia despachado alguns desafetos, e ela tinha muitos, para o além e no caso específico de Juvêncio Pereira, ela se remoeria a vida toda por não tê-lo sangrado, mas se oportunidade tivesse era isto que faria. Era uma mulher que pouco ou nada ria, era ladina e de soslaio olhava às pessoas que não gostava botando tento em cada palavra para conhecer a fundo essas pessoas. Porém, como escrevi acima, se tivesse uma oportunidade teria passado a carneadeira em Juvêncio.
Perdoe-me caro doutorando por não ter mais informações.
Lerei com carinho teu TCC e faço votos de que tenhas muita saúde e alegria em tua vida.
Atenciosamente.
Um abraço.
Boa tarde Professor Pedro Teixeira,
ResponderExcluirEsse rico relato do senhor sobre esse ocorrido já foi, por si só, enriquecedor. Irei citar essa história, junto com as outras que colhi, na minha futura tese, se o senhor assim permitir (citado com referências dentro das normas, com o link também do seu blog).
Agradeço muito ao senhor pela atenção. Suas crônicas são umas das grandes preciosidades que achamos nesse mundo online.
Muita saúde e próspero ano novo, tudo de bom sempre!
Abraço!
Boa tarde meu caro Dário Milech Neto.
ExcluirFicarei honradíssimo com tua citação e é claro que podes usá-la, afinal são pedaços de história que não podemos olvidar.
Eu, desde piá, fui escrevendo tudo o que podia e guardando na memória muitas coisas sobre a nossa família. Fatos ocorridos ainda no Século XIX, hoje transformado em um livro ainda em andamento. Caro amigo leia o Post “O Assassinato” de 05.07.2014, mais um caso envolvendo minha bisavó Maria Emília.
Caríssimo Dário, que possamos trocar mais comentários até o final do ano, assim espero, caso contrário desejo ao caríssimo, muita saúde e alegria com o Natal e Ano Novo, em quarentena, mas cheio de alegria.