Transcorria o ano 70, ano em
que o inverno foi muito rigoroso. No pátio do 9º Regimento de Infantaria, hoje
9º BIM, Batalhão Tuiuti o frio daquelas manhãs era congelante assim como em
toda Pelotas.
Havia passado à disposição
da Comissão de Seleção, que faria a identificação de centenas de conscritos
para o Exército.
Tal Comissão era presidida
pelo Oficial Chefe da SMob, na época o Primeiro Tenente Niederauer e como
identificadores haviam dois Segundos Sargentos (Mattos e Osvino) e seis cabos
datilógrafos, onde um era eu
.
No final do expediente, à
tarde, estava no alojamento da Companhia de Comando do 1º Batalhã, em frente a
meu armário quando tive a excelente idéia de fazer uma bola de pano.
Para tal usando umas folhas
de jornal, moldei uma bola que foi cuidadosamente envolta em uma ceroula de lã,
chamada no Rio Grande do Sul de cueção.
Ficou perfeita, porém
faltava algum cordão ou linha para costurá-la.
Para tal, peguei em meu
armário um rolo de fita de máquina de escrever, preta e vermelha, já gasta de
tanto uso, e com um clipe a guisa de agulha, fui envolvendo tal pelota, numa
verdadeira teia e em cada cruzamento da fita dava um nó.
Esta bola até hoje está bem
guardada em meus pertences, porém já muito velha, pois vão-se quarenta e três anos.
Mas o que isso tem de
importante.
Vou lhes contar:
Na manhã seguinte, bem cedo,
cheguei à Escola Regimental, onde uma sala havia sido esvaziada para servir de
local para a identificação daqueles conscritos. Havia três mesas, algumas
classes ou carteiras e oito ou nove cadeiras.
Tal serviço era feito a
partir das 9 horas, onde os dois sargentos colhiam as digitais, sinais
característicos de cada homem, e após transcritos em uma ficha iam sendo
repassadas aos cabos datilógrafos para que as datilografassem conforme as
anotações feitas, juntadas a farta documentação pessoal.
Porém para evitar o acúmulo
de serviço os seis cabos iam para tal dependência antes da formatura do
Regimento, inclusive sendo desta dispensados pelo comando devido ao serviço que
executavam.
Ao chegar a esta sala,
tiritando de frio, lá estavam os outros cinco cabos, verificando o fichário
para iniciar suas tarefas, um ou dois já datilografando tais fichas com os dedos ainda congelados, momento em
que tirei debaixo de minha grossa japona a tal bola.
Imediatamente foram montadas
duas equipes de três contra três e como goleiras seriam usadas duas carteiras escolares.
E
foi prá já.
Com a porta fechada a
disputa começou.
No pátio do quartel os
termômetros apontavam temperatura abaixo de zero.
Mas nossa disputa dentro da
sala fechada não nos fazia sentir frio.
Ouvimos os primeiros passos
cadenciados de alguma companhia entrando em forma a mais ou menos uns sessenta
ou setenta metros de onde estávamos, pois tal Escola Regimental distava uns
quarenta metros atrás do palanque oficial, onde o Coronel Comandante e seu
Estado Maior assistiriam a parada diária.
Além dos sons normais das
companhias entrando em forma e vozes de comandos, a disputa dentro da sala
corria solta e com o movimento dos corpos cheios de roupas começou a aquecer o
ambiente. E quanto mais corriam em disputas duras, mais o calor aumentava.
Tempo!
Foi pedido um tempo para que
tirássemos as japonas de lã. E mais algum tempo, sacamos fora as gandolas,
(camisa de brim) peça do uniforme de instrução que protege os braços e o
tronco.
Alguns minutos depois foi a
vez das camiseta de lã e das próprias camisetas de malha. O calor e o vermelhidão
tomavam conta daqueles seis cabos em perfeita forma física, que disputavam,
apenas de calças e coturnos, com os torsos nus e suados uma acirrada disputa,
onde do pescoço para baixo tudo era canela.
No Pátio do Quartel, com um
frio congelante ouvíamos vozes de comando e apresentações.
Porém no momento em que o
Tenente Coronel Sub-Comandante do Regimento, num total silêncio da tropa, com
essa perfilada, em obro-armas foi apresentá-la ao Coronel Comandante, um dos
cabos chutou a bola de pano com força em direção a zaga adversária e a bola
tomando uma direção não desejada foi bater violentamente em uma tampa de lata
(capa) de uma máquina de escrever, sendo esta arremessada violentamente contra
a parede, batendo logo após no chão, fazendo um enorme barulho.
Fizemos um silêncio total, e
eu num pulo cheguei a janela, onde puxando um pouco a cortina pude ver o Coronel
comandante chamar o Oficial-de-Dia, um Aspirante-à-Oficial R2 e esse
acompanhado do Sargento Adjuto, um Primeiro Sargento, apontar para a Escola Regimental
e mandá-los ver o que estava acontecendo.
Imediatamente mandei que
cada cabo sentasse em sua respectiva mesa e começassem a datilografar as fichas
do dia anterior.
E num pulo, sem colocar as peças de roupas, cada um sentou a
sua mesa e eu de posse de uma vassoura comecei a varrer tal sala.
Nesse momento o Aspirante
bateu à porta e eu imediatamente a abri, perfilando-me diante de tal
praça-especial, sentindo em meu peito nu, o vento gélido que soprava.
Tanto o Ofical-de-dia quanto o
seu Adjunto, pasmos, naquele frio polar olharam para as praças-de-pré
datilografando tranquilos, seminus, vermelhos e suados e eu com uma vassoura
nas mãos também vermelho escorrendo suor por todos os poros.
Foram-se os dois
intrigados com a eficiência daqueles seis cabos, que em seu trabalho estafante
suavam feito bestas.
Fechei a porta e
fique no canto da janela para ver o que fariam.
Os dois, pelo lado do
Palanque falaram com o Coronel Comandante, nada ouvi apenas vi a mão do Coronel
com o dedo polegar levantado, na conhecida posição de “POSITIVO”.
Ufa!
Não cito os nomes dos
envolvidos, porém se algum deles ler esta história lembrar-se-á.
Foi um momento tenso
e ao mesmo tempo hilário. Muito hilário.
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