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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

General Câmara - O Dia Que Encarei a Fera



                        Antigo Ginásio Vasconcelos Jardim


Ia-se o ano de 1962, na nossa amada General Câmara, a bela cidadezinha as margens do Rio Taquari.


Nesse longínquo ano, em um belo dia do fim do mês de abril tive que encarar a fera de mãos vazias, mas com coragem e sangue frio.


José Diniz era o nome da fera. Excelente professor de matemática do nosso querido Ginásio Vasconcelos Jardim.

Era um professor educadíssimo, gentil, mas duríssimo quanto à disciplina dos alunos, que só de ouvirem seu nome tremiam de medo. 


Cobrinha era o seu apelido entre a garotada, pois certa vez um aluno que fora para ele pegar a caneta tinteiro de sua propriedade que ele havia deixado na secretaria do Ginásio e por curiosidade tirou a tampa da caneta para ver a pena de aço e viu nessa gravada a figura de uma serpente.


Foi pra já. Surgiu daí o apelido de “Cobrinha”. Obviamente dito as escondidas, pois o medo e o respeito ao professor se confundiam. Ele sabia, mas nada dizia.


Eu o respeitava. Respeitava, pois era para mim um homem muito velho, sequer tinha 50 anos, de uma inteligência grandiosa e que a todos tratava com esmerada educação, mas sisudamente.


Sempre bem vestido. Jamais o vi sem gravata, camisa alvíssima, calças bem frisadas e paletó ou casaco impecáveis e seus sapatos sempre brilhando de tão limpos. Era um homem elegante, pontual, honesto, sério, competente, o que levava os alunos ter grande respeito por esse mestre, numa época em que os alunos tinham vergonha na cara.


O caríssimo professor marcara uma prova para a segunda-feira, no primeiro período da manhã. Lembrando que horário era respeitadíssimo, não se tolerava um minuto de atraso.


Putzz grila. Prova de matemática numa segunda-feira. Que saco.


Na segunda-feira levantei muito atrasado e sai correndo de casa, ainda arrumando o uniforme, com a gravata ainda sem o nó, mas mesmo assim fui o mais depressa possível para o Ginásio. Não podia chegar depois do horário.


Ao dobrar a esquina da rua que dava acesso ao Ginásio vi o porteiro fechando o portão. Corri o mais depressa que podiam as minhas pernas, mas ao chegar a menos de cinco metros do portão o guarda havia já passado a chave e olhou-me abrindo os braços como se dissesse “nada posso fazer”. Virou-se e foi em direção ao prédio.


E agora?


Voltei para casa, desconsolado. Sabia que a nota seria Zero.

No dia seguinte ao entrar no Colégio, o Inspetor de Disciplina tirou da fila três alunos. Nicolau, Vilma e eu, e nos encaminhou diretamente para a Diretoria.


Vai estar que o Diretor do Ginásio, o professor Karel Hortz, que também era professor de Latim e Francês estava ausentado da cidade, a serviço em Porto Alegre.


Seu substituto era o professor mais antigo na escola, no caso estava respondendo pela direção ninguém menos que o fera Cobrinha.


Ao entrarmos na enorme sala, lá estava sentado a mesa, bem ao alto sobre um belo estrado com balaustrada em madeira torneada o Diretor. Mais parecia uma sala da Santa Inquisição.


Em uma das paredes, à esquerda estavam três carteiras enfileiradas, com suas respectivas cadeiras.


Sério o Diretor substituto mandou que os três alunos se posicionassem em pé em frente a sua mesa.


Lá no alto estava a figura sisuda do grande mestre José Diniz.


Perfilados, tesos, tremendo os três alunos ali estavam posicionados, quando o professor perguntou:


- Nicolau, por que não fizeste a prova ontem?


Nicolau, meio gaguejando respondeu:


- Professor, ontem já tarde da noite minha mãe passou mal e eu tive que sair com meu pai em busca de remédios, e andamos até lá pela Formação Sanitária, mas essa estava fechada e fomos então à casa de minha tia para ver se ela tinha alguma coisa para dar para mamãe, mas ela nada tinha. Ai eu fui dormir muito tarde e fiquei em casa cuidando de mamãe.


O professor balançou a cabeça, passou a mão no queixo e dirigiu-se para a aluna:


- Vilma, por que tu também não fizeste a prova?


Vilma titubeou e disse.


- É o seguinte senhor professor, ontem pela manhã quando cheguei a margem do rio para pegar a lancha esta não funcionou e o barqueiro demorou para fazer o motor pegar e mesmo assim na metade do rio apagou e ele teve que voltar remando. Aí já era tarde para pegar outra lancha e então minha mãe disse que eu ficasse em casa.


Novamente o professor limitou-se a balançar a cabeça e nada dizer à aluna.


Virou-se então para mim e perguntou:


- Pedro, por que não fizeste a prova ontem?


Respirei fundo e sem demora encarei a fera e disse:


- Professor, dormi demais e quando cheguei ao colégio o portão já estava fechado.


O professor apoiou o queixo em sua mão esquerda, pensou, olhou para os três alunos e sentenciou:


- Nicolau e Vilma, peguem suas coisas e vão para a aula. A nota de vocês é ZERO! Podem ir!


Fique eu paralisado e me perguntando o que ele fará comigo?


Calmamente o professor olhou-me e disse:


- Pedro, sente a uma dessas classes e faça a prova que sobre ela está.


Sentei-me quietinho e fiz a prova em pouca mais de meia hora, enquanto que o professor Cobrinha ficava em sua mesa despachando uma série de documentos.


Havia sido recompensado por ter falado a verdade.


Ufa! Valeu mais que a nota 7,5.


Êba! Êba!






           Ao fundo, depois do campo do GDAG, o nosso Ginásio


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