Antigo Ginásio Vasconcelos Jardim
Ia-se o ano de 1962, na
nossa amada General Câmara, a bela cidadezinha as margens do Rio Taquari.
Nesse longínquo ano, em um
belo dia do fim do mês de abril tive que encarar a fera de mãos vazias, mas com
coragem e sangue frio.
José Diniz era o nome da
fera. Excelente professor de matemática do nosso querido Ginásio Vasconcelos
Jardim.
Era um professor educadíssimo, gentil, mas duríssimo quanto à
disciplina dos alunos, que só de ouvirem seu nome tremiam de medo.
Cobrinha era o seu apelido
entre a garotada, pois certa vez um aluno que fora para ele pegar a caneta
tinteiro de sua propriedade que ele havia deixado na secretaria do Ginásio e
por curiosidade tirou a tampa da caneta para ver a pena de aço e viu nessa
gravada a figura de uma serpente.
Foi pra já. Surgiu daí o
apelido de “Cobrinha”. Obviamente dito as escondidas, pois o medo e o respeito
ao professor se confundiam. Ele sabia, mas nada dizia.
Eu o respeitava. Respeitava,
pois era para mim um homem muito velho, sequer tinha 50 anos, de uma
inteligência grandiosa e que a todos tratava com esmerada educação, mas
sisudamente.
Sempre bem vestido. Jamais o
vi sem gravata, camisa alvíssima, calças bem frisadas e paletó ou casaco
impecáveis e seus sapatos sempre brilhando de tão limpos. Era um homem
elegante, pontual, honesto, sério, competente, o que levava os alunos ter
grande respeito por esse mestre, numa época em que os alunos tinham vergonha na cara.
O caríssimo professor
marcara uma prova para a segunda-feira, no primeiro período da manhã. Lembrando
que horário era respeitadíssimo, não se tolerava um minuto de atraso.
Putzz grila. Prova de
matemática numa segunda-feira. Que saco.
Na segunda-feira levantei
muito atrasado e sai correndo de casa, ainda arrumando o uniforme, com a
gravata ainda sem o nó, mas mesmo assim fui o mais depressa possível para o Ginásio.
Não podia chegar depois do horário.
Ao dobrar a esquina da rua que
dava acesso ao Ginásio vi o porteiro fechando o portão. Corri o mais depressa
que podiam as minhas pernas, mas ao chegar a menos de cinco metros do portão o
guarda havia já passado a chave e olhou-me abrindo os braços como se dissesse
“nada posso fazer”. Virou-se e foi em direção ao prédio.
E agora?
Voltei para casa,
desconsolado. Sabia que a nota seria Zero.
No dia seguinte ao entrar no
Colégio, o Inspetor de Disciplina tirou da fila três alunos. Nicolau, Vilma e
eu, e nos encaminhou diretamente para a Diretoria.
Vai estar que o Diretor do
Ginásio, o professor Karel Hortz, que também era professor de Latim e Francês
estava ausentado da cidade, a serviço em Porto Alegre.
Seu substituto era o
professor mais antigo na escola, no caso estava respondendo pela direção
ninguém menos que o fera Cobrinha.
Ao entrarmos na enorme sala,
lá estava sentado a mesa, bem ao alto sobre um belo estrado com balaustrada em
madeira torneada o Diretor. Mais parecia uma sala da Santa Inquisição.
Em uma das paredes, à
esquerda estavam três carteiras enfileiradas, com suas respectivas cadeiras.
Sério o Diretor substituto
mandou que os três alunos se posicionassem em pé em frente a sua mesa.
Lá no alto estava a figura
sisuda do grande mestre José Diniz.
Perfilados, tesos, tremendo
os três alunos ali estavam posicionados, quando o professor perguntou:
- Nicolau, por que não
fizeste a prova ontem?
Nicolau, meio gaguejando
respondeu:
- Professor, ontem já tarde
da noite minha mãe passou mal e eu tive que sair com meu pai em busca de
remédios, e andamos até lá pela Formação Sanitária, mas essa estava fechada e fomos
então à casa de minha tia para ver se ela tinha alguma coisa para dar para mamãe,
mas ela nada tinha. Ai eu fui dormir muito tarde e fiquei em casa cuidando de
mamãe.
O professor balançou a
cabeça, passou a mão no queixo e dirigiu-se para a aluna:
- Vilma, por que tu também
não fizeste a prova?
Vilma titubeou e disse.
- É o seguinte senhor
professor, ontem pela manhã quando cheguei a margem do rio para pegar a lancha esta
não funcionou e o barqueiro demorou para fazer o motor pegar e mesmo assim na
metade do rio apagou e ele teve que voltar remando. Aí já era tarde para pegar
outra lancha e então minha mãe disse que eu ficasse em casa.
Novamente o professor
limitou-se a balançar a cabeça e nada dizer à aluna.
Virou-se então para mim e
perguntou:
- Pedro, por que não fizeste a
prova ontem?
Respirei fundo e sem demora
encarei a fera e disse:
- Professor, dormi demais e
quando cheguei ao colégio o portão já estava fechado.
O professor apoiou o queixo
em sua mão esquerda, pensou, olhou para os três alunos e sentenciou:
- Nicolau e Vilma, peguem
suas coisas e vão para a aula. A nota de vocês é ZERO! Podem ir!
Fique eu paralisado e me
perguntando o que ele fará comigo?
Calmamente o professor
olhou-me e disse:
- Pedro, sente a uma dessas
classes e faça a prova que sobre ela está.
Sentei-me quietinho e fiz a
prova em pouca mais de meia hora, enquanto que o professor Cobrinha ficava em
sua mesa despachando uma série de documentos.
Havia sido recompensado por
ter falado a verdade.
Ufa! Valeu mais que a nota
7,5.
Êba! Êba!
Ao fundo, depois do campo do GDAG, o nosso Ginásio
Nenhum comentário:
Postar um comentário