PS

PS

SEGUIDORES

sábado, 28 de março de 2015

O Negro Barbosa.


No fim dos anos sessenta morávamos na Rua General Argolo 101, esquina com a Rua Santa Cruz, em diagonal com os fundos do Quartel do então 4º RPRMont. - Regimento de Polícia Rural Montada, pertencente a  Brigada Militar. Brigada Militar só existe no nosso Estado do Rio Grande do Sul, corporação tradicional e histórica, mesclada a própria história do Estado. Nos demais estados da Federação essas corporações são chamadas de Polícias Militares.

Papai já era militar do Exército aposentado e costumava manter no pátio de nossa casa uma pequena horta, mais por diversão do que por necessidade.

Quando chovia, Pelotas que já por natureza é uma cidade muito úmida, mais úmida que a própria Londres, tinha suas ruas pavimentadas com paralelepípedos inundadas, onde as águas corriam para as bocas-de-lobo. Junto a esses bueiros formavam-se camadas de terra arenosa.


Munido de um carrinho-de-mão, pá e uma vassoura papai percorria esses bueiros e com paciência e tempo juntando aquela preciosidade arenosa para por em seus canteiros, deixando-os mais permeáveis e arejados, onde vicejavam alfaces, couves, temperos verdes, e várias outras verduras e legumes.

Havia um pobre cidadão negro de nome Barbosa, que quando em vez aparecia para prestar algum tipo de serviço.

Papai gostava muito dele, por ser um homem sério, de bom coração, porém era um mocorongo analfabeto. Era um pobre desguaritado que vivia de expedientes.

Com pena da situação do pobre Barbosa, que se assemelhava a dele quando era menino, sempre papai dava-lhe algum serviço o qual era feito com lentidão, porém sempre cumpria suas tarefas o que lhe valia além do dinheiro da empreitada uns trocados a mais por fora.

Certa manhã de outono chegou a nossa casa o negro Barbosa, não bateu à porta, mas ficou pela esquina parado, olhando para um lado e outro na esperança de ser visto por papai e ser chamado para algum afazer.

Lá pelas tantas, papai, ao chegar à janela da frente da casa viu o pobre Barbosa parado, sem iniciativa olhando ao longe.

Condoído com a situação, papai o chamou, e como por três ou quatro dias havia chovido muito, papai pensou em mandar o negro Barbosa juntar as areias que se formavam juntos as bocas-de-lobo, assim daria algo a fazer ao meio agregado.

- Barbosa! Barbosa! – Chamou papai da janela, completando. – Tenho um serviço para ti.

O negro, meio biguano, devagarzito adentrou ao portão, enquanto isto, pelo lado da casa papai trouxe o carrinho-de-mão, a pá e a vassoura e disse ao pobre e bom homem:

- Pegue esse carrinho e vá aí pelas esquinas e junte essas areias que ser formaram com a chuva, e assim que encheres o carrinho volte que eu tenho a limpeza do pátio para fazer.

- Sim Senhor. – Respondeu o prestativo Barbosa e foi-se em seu passo lento.

Papai entrou novamente pela lateral da casa, onde havia outro portão, alto e sempre bem fechado, deixando-o encostado e foi para o fundo da casa dar uma olhada em sua horta.

Mal havia chegado aos seus canteiros, ouviu o barulho do portão sendo aberto.

Dirigindo-se para o lado da casa, viu adentrar a pátio o valoroso Barbosa sorridente com o carrinho cheio até os topes de branca areia.

Alegre e de vereda foi logo despejando aquela preciosa carga perto de um canteiro, dizendo a papai atônito:

- Vou lá buscar outro carrinho.

- Um momento Barbosa. - Disse papai. – De onde tu trouxesses esta areia.

- Ora Tenente. Respondeu Barbosa. Aqui no meio da outra quadra tem uma montanha de areia.


Papai correu até a frente da casa e viu que realmente na outra quadra havia um monte enorme de areia, porém era de uma construção.

Barbosa. - Disse papai. - Aquilo é areia da construção.

- “Ué tenente! Tá na rua”.

Papai envergonhado foi até o local da construção, falar com o responsável pela obra, que ao se inteirar do ocorrido riu e disse que não havia problema, afinal foi apenas um carrinho da preciosa areia.

Por obra do acaso nunca mais o negro Barbosa foi visto, talvez a sorte tenha sorrido e tenha arrumado um serviço ou tenha procurado outras plagas para tentar a vida sofrida e miserável.


Era um bom homem, confiável e digno, mesmo em sua extrema e lerda pobreza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário