No fim dos anos sessenta
morávamos na Rua General Argolo 101, esquina com a Rua Santa Cruz, em diagonal
com os fundos do Quartel do então 4º RPRMont. - Regimento de Polícia Rural Montada, pertencente a Brigada Militar. Brigada Militar só existe no nosso Estado do
Rio Grande do Sul, corporação tradicional e histórica, mesclada a própria
história do Estado. Nos demais estados da Federação essas corporações são chamadas de Polícias Militares.
Papai já era militar do
Exército aposentado e costumava manter no pátio de nossa casa uma pequena horta,
mais por diversão do que por necessidade.
Quando chovia, Pelotas que
já por natureza é uma cidade muito úmida, mais úmida que a própria Londres,
tinha suas ruas pavimentadas com paralelepípedos inundadas, onde as águas
corriam para as bocas-de-lobo. Junto a esses bueiros formavam-se camadas de
terra arenosa.
Munido de um
carrinho-de-mão, pá e uma vassoura papai percorria esses bueiros e com
paciência e tempo juntando aquela preciosidade arenosa para por em seus
canteiros, deixando-os mais permeáveis e arejados, onde vicejavam alfaces,
couves, temperos verdes, e várias outras verduras e legumes.
Havia um pobre cidadão negro
de nome Barbosa, que quando em vez aparecia para prestar algum tipo de serviço.
Papai gostava muito dele,
por ser um homem sério, de bom coração, porém era um mocorongo analfabeto. Era
um pobre desguaritado que vivia de expedientes.
Com pena da situação do
pobre Barbosa, que se assemelhava a dele quando era menino, sempre papai
dava-lhe algum serviço o qual era feito com lentidão, porém sempre cumpria suas
tarefas o que lhe valia além do dinheiro da empreitada uns trocados a mais por
fora.
Certa manhã de outono chegou
a nossa casa o negro Barbosa, não bateu à porta, mas ficou pela esquina parado,
olhando para um lado e outro na esperança de ser visto por papai e ser chamado
para algum afazer.
Lá pelas tantas, papai, ao
chegar à janela da frente da casa viu o pobre Barbosa parado, sem iniciativa
olhando ao longe.
Condoído com a situação,
papai o chamou, e como por três ou quatro dias havia chovido muito, papai
pensou em mandar o negro Barbosa juntar as areias que se formavam juntos as
bocas-de-lobo, assim daria algo a fazer ao meio agregado.
- Barbosa! Barbosa! – Chamou
papai da janela, completando. – Tenho um serviço para ti.
O negro, meio biguano,
devagarzito adentrou ao portão, enquanto isto, pelo lado da casa papai trouxe o
carrinho-de-mão, a pá e a vassoura e disse ao pobre e bom homem:
- Pegue esse carrinho e vá
aí pelas esquinas e junte essas areias que ser formaram com a chuva, e assim
que encheres o carrinho volte que eu tenho a limpeza do pátio para fazer.
- Sim Senhor. – Respondeu o
prestativo Barbosa e foi-se em seu passo lento.
Papai entrou novamente pela
lateral da casa, onde havia outro portão, alto e sempre bem fechado, deixando-o
encostado e foi para o fundo da casa dar uma olhada em sua horta.
Mal havia chegado aos seus
canteiros, ouviu o barulho do portão sendo aberto.
Dirigindo-se para o lado da
casa, viu adentrar a pátio o valoroso Barbosa sorridente com o carrinho cheio
até os topes de branca areia.
Alegre e de vereda foi logo
despejando aquela preciosa carga perto de um canteiro, dizendo a papai atônito:
- Vou lá buscar outro
carrinho.
- Um momento Barbosa. - Disse
papai. – De onde tu trouxesses esta areia.
- Ora Tenente. Respondeu
Barbosa. Aqui no meio da outra quadra tem uma montanha de areia.
Papai correu até a frente da
casa e viu que realmente na outra quadra havia um monte enorme de areia, porém
era de uma construção.
Barbosa. - Disse papai.
- Aquilo é areia da construção.
- “Ué tenente! Tá na rua”.
Papai envergonhado foi até o
local da construção, falar com o responsável pela obra, que ao se inteirar do
ocorrido riu e disse que não havia problema, afinal foi apenas um carrinho da
preciosa areia.
Por obra do acaso nunca mais
o negro Barbosa foi visto, talvez a sorte tenha sorrido e tenha arrumado um
serviço ou tenha procurado outras plagas para tentar a vida sofrida e
miserável.
Era um bom homem, confiável
e digno, mesmo em sua extrema e lerda pobreza.
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