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sábado, 21 de março de 2015

Entre a Cruz e a Espada.


Cresci vendo minha mãe arear com pó de tijolo os poucos talheres que tinha.

Éramos considerados pela vizinhança verdadeiros privilegiados, ou seja, os riquinhos da rua, pois papai, quando eu nasci era Segundo Sargento do Exército e tínhamos uma vida diferente da maioria que amargava a falta de alimentos, leite, e frutas, coisa que pouquíssimos saboreavam, a não ser quando em vez uma laranja ou bergamota.

Lembrando que mesmo assim os militares da época recebiam salários baixíssimos, porém em relação ao que recebia um trabalhador comum era uma diferença mui grande, hoje todos ganham melhor porém a diferença é abissal.


A nossa popular banana era uma coisa que fui conhecer com quase 10 anos e maçã, nem pensar, só nas historinhas de bruxa malvadas. Porém 1953 papai chegou em casa com uma maçã, coisa que eu jamais havia visto, e a dividiu em quatro pedaços, para que cada um dos filhos pudesse saborear aquela fruta dos deuses do Olimpo, gostosa, pois era novidade, caríssima e importada.

Era um país miserável de “marré deci”.


Os tais talheres eram cinco garfos, duas facas e seis colheres, todos de ferro galvanizado, cujo galvanizado há muito já havia desaparecido (porcaria), que se fazia necessário areá-los todos os dias, pois em poucas horas já estavam azinhavrados ou enferrujados.


No ano de 1954, papai chegou em casa pela manhã de um sábado vindo de uma noite de serviço no quartel, trazia um pacotinho feito com papel pardo e eufórico sentou-se a mesa e a todos mostrou o que havia comprado na Casa Treptow, um grande armazém que ficava entre a Cruz e a Espada.

Hoje ainda existe com o nome de Ferragem Treptow, num prédio construído em frente do antigo empório.

Ficamos com os olhinhos brilhando diante de uma maravilha fascinante, coisa impensável.

Ele havia comprado dois garfos em aço inoxidável.

Jamais tínhamos visto um material tão brilhante, que não enferrujava. Eram duas peças maravilhosas.


Fiquei minutos admirando aquela coisa do outro mundo.

Então disse papai:

- Um é para a mãe e outro para mim, assim teremos garfos para todos.

MA-RA-VI-LHA.

Por muito tempo, cinco ou seis anos ainda continuávamos com os talheres de ferro.

Lembro-me das duas facas.

Uma delas, de tanto mamãe afiar para cortar carne foi ficando mais estreita, mas cortava como um raio. A outra era mais larga e apenas cortava. Com certa dificuldade, mas cortava.

Nos cafés da manhã ou da tarde, para passar banha ou manteiga no pão a faca larga corria de mão em mão, pois só essa vinha para a mesa.

Certa vez, quando eu tinha quando muito três anos, estava com a tal faca fininha na mão, brincando e mamãe ao ver-me com aquela afiada faca, impensadamente, para livrar-me daquele perigo pegou-a pela lâmina, e eu, criança desmiolada puxei a faca cortando sua mão profundamente ente os dedos indicador e polegar.

O sangue jorrou e mamãe apertando a mão, consegui assim mesmo tirar a faca de minhas mãos.

Comecei a chorar inconsolado, não pela faca, mas por ver mamãe sangrando, enquanto ela corria para lavar o ferimento e enrolar com tiras de pano.

Que dó. Pobrezinha de minha amada mãezinha. Eu a havia ferido.
Até hoje isto está em minhas lembranças como se tivesse acontecido ontem.

Passou o tempo, e só quando papai foi promovido a Subtenente é que foi possível comprar talheres em aço inoxidável, facas, garfos e colheres.


Hoje qualquer “raburréia” tem até automóvel e telefone celular é coisa corriqueira que qualquer fedelho calça suja possui.

Hoje as coisas são comuns e ninguém usa talheres de ferro.
Porém vivem a reclamar.

Reclamar, reclamar e reclamar.

Escrevi que a Casa Treptow ficava entre a Cruz e a Espada.

                     Treptow, hoje.

A Casa Treptow era um grande empório que ficava na Avenida General Daltro Filho, hoje Avenida Duque de Caxias, e somente nos anos sessenta surgiu esse “slogan”, quando esse Comércio lançou nas rádios locais, a então PRC3 Rádio Pelotense e a então PRH4 Rádio Cultura, a pergunta “qual tradicional comércio fica entre a Cruz e a Espada”, oferecendo um premio ao acertador.

Era a Casa “Treptow”, que ficava entre o Cemitério e o Quartel do antigo 9º Regimento de Infantaria.

Bingo! E alguém ganhou o premio.

                    Rádio Pelotense

Antes que esqueça. A Rádio Pelotense é a mais antiga Rádio do Brasil em funcionamento. Funcionando desde o ano de 1925, ano de sua fundação.

O que mais me deixa triste é que muitos da família esqueceram o seu passado pobre, esqueceram que cresceram em um país miserável, em um país de famélicos, em um país injusto, um verdadeiro circo de horrores.



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