Corria o ano de 1977,
viajava juntamente com um de meus vendedores de nome Roberto Martins Leite,
pelo Mato Grosso, e chegamos à cidade de Poconé, após um dia de muita estrada.
Poconé, cujos índios chamavam aquela região de Beripoconé, foi fundada em 1781, por Antônio
José Pinto de Figueiredo, cuja ata de fundação traz o nome de Arraial de São
Pedro d’El Rey, e somente em 1831 era criado o município com a denominação de
Vila de Poconé.
Estabelecemo-nos em um
antigo hotel, tão antigo que a chave do quarto, já que não haviam apartamentos,
era de ferro, enorme e pesada.
Após um bom banho fomos os
dois para uma sala, junto a um jardim ao lado esquerdo do corredor e ali,
sentados começamos a saborear um belo chimarrão.
Após um bom tempo papeando
entre um mate e outro, ouvimos passos firmes pelo corredor cujo piso era de
madeira, e em instantes um grupo de três paulistas entrou naquela sala em
rumo ao seu quarto.
Um dos paulistas, que
parecia ser o líder do grupo, um homem de quase quarenta anos, magro e alto,
parou subitamente, cumprimentou-nos e mostrando todo o seu desconhecimento dos
hábitos dos tomadores de chimarrão, aproximou-se de Roberto, um mato-grossense
do sul, e rapidamente tirou-lhe a cuia da mão, inclusive batendo com a bomba
nos seus dentes superiores, bem no momento em que este sorvia o amargo.
Indignado e vermelho de
raiva Roberto ficou chocado com aquela intempestiva atitude do paulista, mas eu
discretamente o sinalizei para nada dizer nem fazer.
O paulista antes mesmo de
colocar a bomba na boca disse que gostava muito de mate, e sorveu uma única ver
aquela água que pelo tempo que estávamos tomando mate, já se encontrava morna.
Os outros dois paulistas, de
botas de cano alto ficaram sorrindo e contemplando o estrupício.
Este, após ter dado apenas
uma “chupada” no mate, entregou a cuia a Roberto, que continuava rubro de raiva.
Perguntei então ao paulista,
já que ele gostava de chimarrão se eles aceitariam a tomar um mate na manhã
seguinte, antes do café.
Os três sorrindo aceitaram
de vereda.
Continuei conversando com
Roberto enquanto os três iam-se para o seu quarto.
Disse então a Roberto, deixe
comigo, que amanhã vou acordá-los cedo para um mate.
Passando a meia noite,
momento em que já havia dormido um belo sono, ouvi passos e falas no corredor,
eram os três paulistas chegando de algum surungo ou tasca.
Os meus pensamentos fizeram
com que eu desse um sorriso maleva.
Naquela manhã, temprano
acordei, era quando muito quatro horas. A noite ainda se fazia presente, e provavelmente
a Boieira ainda estava no céu, espargindo brilho e beleza.
Levantai-me, acordei Roberto
que dormia a sono solto e após a passagem obrigatória pelo bateclô, pedi a
Roberto que fosse acordar os paulistas para estes tomarem chimarrão em nossa
companhia.
Enquanto isto, dirigi-me a
cozinha do hotel que já estava com o fogão caipira fumegando mais do que
maria-fumaça, onde panelas de leite e chaleiras d’água já estavam sendo
preparadas para o café dos hóspedes, que era servido a partir das seis horas.
Em uma chaleira pequena que
me havia sido entregue pelo funcionário do hotel, botei água já quase fervida e
deixei mais um pouco, para que a mesma quase chegasse ao ponto de fervura, já
que os que são habituados a tomar mate sabem que a água não pode ferver para
não queimar e tirar o gosto da erva.
Havia preparado um mate
daqueles bem soltinhos, que o vivente não precisava nem chupar para a água folheirita
verter no bocal da bamba.
Mas bah! Vai ser a coisa
mais linda.
Dirigi-me então com a cuia
na mão esquerda e o termo, com aquela água escaldante na mão direita, e
sentei-me no mesmo lugar em que estava na tarde anterior.
O dia não havia clareado e
já Roberto havia me dito que os três estavam se aprontando para a rodada de
chimarrão.
KKKKK. É hoje que a égua vai
sair bufando campo a fora.
Dito e feito.
Tão logo os três paulistas
sonolentos chegaram àquela sala, cuja porta para o jardim estava aberta, o dia anunciava
as primeiras luzes do Sol que nascia naquele belo recanto do Mato Grosso, em
Poconé, a porta para o Pantanal, olhei para os três bandeirantes, os
cumprimentei e calmamente servi o mate derramando suavemente a água pelo
costado do cano da bomba, para deixa-la mais quente com aquela água linda de
pelar porco.
Enchi a cuia e a passei
diretamente para o estrupício que no dia anterior havia mostrado tanta falta de
conhecimento quanto ao tomar mate.
O quera sem pestanejar, lembrando-se
do mate que havia no dia anterior tomado um gole, meio frio, foi com vontade de
deu um enorme chupão naquela bomba.
Com a boca cheia de água quase
fervendo, queimando-lhe a língua, esse
paulista num repente passou a cuia para as mão de um de seus parceiros e saiu
correndo, desesperado corredor a fora em direção a frente do hotel, seguramente para cuspir
aquela brasa.
Os outros dois sem saber o
que estava acontecendo ficaram com a cuia na mão indecisos sem saber o que
fazer, mas por vergonha permaneceram sentados até que depois de muito e muito
tempo aquele que com a cuia estava conseguiu aos poucos tomar aquele mate.
Entregou-me a cuia e com o
outro pediram licença e saíram também do hotel apressaditos.
O estrupício com vergonha e
talvez ódio, naquele dia, enquanto permanecemos no hotel, não voltou e nunca
mais vi a lata daquele baiquara.
Orre tasca!
Deve estar até hoje tentando
curar a queimadura na língua.
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