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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Histórias, Contos e Causos - I



Taita, Eu Tenho Dente.


Esta história que passo a contar é mui conhecida na Campanha Gaúcha, onde os guascas contam como um caso verídico.


No ano de 1956, esta me foi contada pelo amigo de mesma idade chamado João Barbosa da Silva, o Joãozinho da Dona Marina, em frente a casa em que morava, na Rua Álvaro Chaves 413, em Pelotas.


E nos anos 90, adquiri um livro editado em Cuba, sobre mitos e fiquei impressionado que, com outras palavras essa mesma história era contada como se fosse um caso ocorrido naquele país caribenho.


Vamos a história para que ela não caia no esquecimento. 


A noite se fazia escura como breu. A brisa quente soprava anunciando uma mudança de tempo. 


À frente a estrada se estendia sem fim, como uma longa corda de viola cortando as coxilhas, sendo apenas percebida em leves nuances marcados pela luz esmaecida da Lua meio escondida entre nuvens pesadas.


Trocando as orelhas ia ao rumo o baio cheio de regulamentos, que nas noites ficava mais atento aos ruídos, e se ia ao passo lento.


O cavaleiro monarca estava também mais atento que um caburé, pitando seu “paiêro” que se consumia a cada tragada e seu lumo desaparecia de vereda sob aquela brisa que soprava mansa como um sorro.


Muitos pensamentos aterradores passavam em sua mente, mas sem medo ia o “bacudo” em frente com seu flete ao passo.

Ao passar por um capão de arvores escuro, que cobria a estrada, o cavalo meio “negaceou” o tranco, trocou várias vezes as orelhas, levantou a cabeça e bufou.


O ginete segurando firme as rédeas afinou o ouvido, mas levemente esporeou o baio, que mais desconfiado do que gato em casa nova continuou em seu  tranco, sestroso e todo espiado.


A brisa trocou de rumo e trouxe em seu bojo um ruído estranho que fez com que o cavaleiro sentisse um arrepio que lhe desceu pelas costas como brasa.




Mas como era um taura destemido, bateu o chapéu na testa e sua mão sestrosa buscou instintivamente a adaga, sua fiel companheira.


Pensou que em qualquer situação o ferro branco perto da mão seria mais uma segurança naquela noite negra.


Num repente ouviu o que parecia um choro de criança. Puxou levemente a rédea e observou o trocar de orelhas do velho companheiro bem aperado.


Novamente ouviu mais próximo aquele gemer de um recém-nascido.


Espantadiço o cavalo quis empinar, mas o destemido cavaleiro fez com que o aporreado continuasse em seu tranco.


Mais alguns metros o “alimal” estancou nas quatro, e não havia nada que o fizesse andar.


O cavaleiro soltou levemente a rédea com a mão esquerda enquanto que com a destra desembainhava o longo talher de briga. E atento olhou para a escuridão sem nada enxergar.


No silêncio que se fazia, cortado apenas pela brisa que assoviava no arvoredo deixava mais tenebrosa aquela conhecida carreteira de tantas e tantas andanças.


Cavalo e cavaleiro parados, ouvidos afinados, quase não respiravam, numa indecisão aterradora.


Nesse momento um choro forte se fez ouvir ao lado esquerdo da estrada, em uma pequena encruzilhada com um “caminito” que se perdia no campo.


O “alimal” mais uma vez bufou e levantou as patas dianteiras, batendo a cabeça insistentemente ensaiou uma disparada, porém rapidamente foi contido pelo hábil ginete.

O choro continuava, e só podia ser uma criança abandonada.


O cavaleiro preocupou-se e levemente apeou, já com a adaga em guarda e segurando firme a rédea chegou para o lado “donde” vinha aquele choro de recém-nascido.


Entre a relva alta, junto a uma cerca encontrou ele enroladito em panos velhos uma recém-nascida criança.

A dó lhe partiu o coração. E ali não deixaria aquela infeliz vida abandonada ao tempo ou as feras.


Em um movimento suave enrolou a rédea no braço esquerdo para que o bagual não disparasse, e agachando-se e em seus braços segurou aquela vida condenada a própria sorte.


O cavalo meio espantadiço negou estribo várias vezes, mas o taura era também cheio de regulamento e falou firme com o “alimal” que se aquietou a contra gosto.


Montou com a criança no colo e se foi estrada a fora.



Mui longe avistou uma tênue luz no meio do campo. Era o rancho de uma velha bugra curandeira, cheia de poderes de curas e previsões.


Pensou ele em lá chegar e deixar com ela aquela criança que a lá cria estava condenada a viver, solita como ovelhas guaches dos campos frios do sul.


Seguiu de ponto fixe seu caminho, ouvindo o nada que temperava sua vida dura.


Nesse momento de total silêncio e esquecido das coisas, ouviu aquela voz rouca que vinha do recém- nascido:


- Taita, eu tenho dente.


Num susto violento o cavaleiro firmou os olhos e o clarão da Lua que acabara de furar as nuvens iluminou o rosto daquela criança com poucas horas de vida.


Num espanto o homem viu que da boca da criança dois enormes dentes se projetavam por cima do lábio inferior e seus olhos vermelhos pareciam faiscar.


Assustado, num pavor sem igual o taura jogou a criança na estrada e esporeando o cavalo sumiu no upa e upa, naquela estrada.


Foi parar somente no rancho da índia curandeira, e ao chegar gritou cortando a noite, com o coração saindo-lhe pela boca:


- Ô de casa! Ô de casa!


A velha bugra abriu a porta, e a luz fraca de um candeeiro lançou no terreiro sua sombra longa e assustadora, e com seu cachimbo fumegando disse sem nada perguntar ou ouvir.


- Mas che! Tu também encontraste “o coisa” ruim dos dentes grandes.


O homem pasmo, nada disse, empinou o cavalo e sumiu a todo galope naquela noite e nunca mais foi visto pelas redondezas.


À porta do rancho ficou a charrua balançando levemente sua cabeça de longos, e finos cabos brancos soltos sobre os ombros esquálidos.


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