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quarta-feira, 23 de abril de 2014

O Armeiro





Contava meu pai, um homem digno e mui sério, que pelo início dos anos 20 apareceu um caçador na casa de um tio seu, com um grave problema em sua arma de caça.




Esse tio de meu pai era armeiro e morava em um bairro afastado, com sua esposa e sua neta de 9 anos, uma linda menina que era os dengos do avô, em uma simples casa de madeira no meio do quase nada a beira de uma carreteira.


Todos na redondeza o conheciam, pois era um excelente armeiro, que também prestava outros pequenos serviços como o de relojoeiro.


Tal caçador mostrou-lhe a arma e disse que um cartucho havia trancado no cano e não houve o que fizesse para desalojar o cartucho, mas nada adiantava, inclusive varias vezes tentara detoná-lo, mas sua espoleta já estava totalmente perfurada e nada da maldita bala estourar.



Ao examinar mais detidamente a arma, abrindo sua culatra pode certificar-se que realmente a bala continuava inteira, porém já quase nada da espoleta havia de tantas e tantas vezes ser o gatilho acionado.


Tentou com uma longa vareta de aço bater no projetil pela boca do cano para que o mesmo saísse pela culatra e nada, a cada vez que batia mais expandia o chumbo, trancando-o ainda mais.


Pediu então ao caçador que voltasse dentro de uma ou duas semanas, já que o mesmo tinha outras armas assim podia ele mais calmamente resolver o problema.




- Tudo bem! – Disse o caçador e foi-se estrada a fora montado em seu belo cavalo.


O armeiro trabalhou vários dias naquela arma na intenção de desalojar o cartucho firmemente entalado no fundo do cano e nada.


Também por inúmeras vezes tentou disparar com a arma, mas já não havia quase nada da espoleta para que a agulha a fizesse detonar.


Encafifado com a situação não sabia mais em seu ofício o que fazer para recuperar aquela bela espingarda.


Numa madrugada mui cedo, antes das quatro horas, levantou-se para ir até a latrina há uns 15 metros da cozinha, pois estava com muita vontade de urinar.


Para tal teria que acender uma lamparina que ficava sempre ao lado da porta da cozinha para essa precisão.


Pegou-a e com muito custo a acendeu com um surrado isqueiro de pederneira que junto a essa ficava.


De imediato uma tênue luz espargiu iluminando a simples cozinha de chão batido, mas que o fez ver encostada a uma parede a espingarda. Em seu pensamento passou a vontade de chutá-la porta a fora, pois nada que tentasse resolveria aquela situação, pensando inclusive em trocar o cano, o que era inviável.


Porém com ódio pegou aquela arma e a esmo apontando na escuridão em direção a latrina puxou o gatilho e para sua surpresa e susto a maldita bala estourou, num estampido ensurdecedor, que devido ao estado do projétil levou um enorme coice.


E aquela fumaceira levantou-se a sua frente.


Tudo bem, o impossível acontecera e finalmente ele resolvera sem querer o problema daquela espingarda.


Regozijando-se largou a arma junto à porta e de posse da lamparina foi até a latrina para urinar.



Ao chegar perto da latrina viu o furo que a bala fizera na tábua da porta, uma coisa impossível pensou, pois a espoleta já estava completamente amassada e furada de tantas vezes bater o gatilho.


Finalmente ao abrir a porta da latrina o mundo veio abaixo, pois ali estava sua neta, sentadinha, caída para o lado esquerdo, encostada a parede da latrina, morta com o peito todo ensanguentado.




Contava meu pai que seu tio morrera de tanta tristeza, pois jamais passara por sua cabeça que sua amada neta, que tanto medo tinha do escuro, fosse para a latrina durante a madrugada e não levasse a lamparina que era usada somente para esse fim.





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