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sexta-feira, 7 de março de 2014

Dalvinha





Em meu livro sobre memórias descrevo histórias curtas de várias famílias, vizinhos nossos em uma época em que as coisas eram bem diferentes em um país extremamente atrasado e pobre.


Entre tantas histórias transcrevo esta que muito marcou nossas vidas, pois foi um momento duro, triste que gostaria que mãe alguma passasse.


                         Eu, meu irmão Joaquim e minha irmã
                                    Ieda, o amigo Betinho e meu primo Dilson
                                    Sedrez, ao fundo mamães grávida de 
                                    Lúcia.

Na segunda casa a esquerda da nossa morava uma família de negros mui queridos pelos vizinhos. Era o casal formado pelo Senhor Manoel funcionário civil do Exército e Dona Dalva.


Esse casal tinha vários filhos, Teresinha de Jesus, a mais velha, João, Fó, Choca, Gibi, Chouriço e Bernadete. 


Corria provavelmente o ano de 1950.


Mamãe e Dona Dalva jamais tiveram uma relação amistosa, já o contrário acontecia com o Senhor Manoel, um excelente amigo, mas bota amigo nisto. Era muito requisitado pela vizinhança devido aos seus conhecimentos de enfermeiro. Muitas e muitas vezes Seu Manoel aplicava-nos injeções doloridas, mas que nos livravam de algum mal.

                                Seu Manoel, o primeiro, com 
                                            uma ripa de costela ao ombro
                                            o terceiro, sem cobertura, meu
                                            pai, o então Terceiro Sargento
                                            Floribal Teixeira.

Papai o considerava muito, pois quando sentou praça no Exército, Seu Manoel era Cabo enfermeiro, anos depois Seu Manoel foi excluído do serviço ativo do Exército, porém voltou a trabalhar no mesmo Regimento como funcionário civil, desempenhando a função de cozinheiro, e no exército ficou até completar setenta anos quando foi aposentado compulsoriamente. Lembrando que quando eu fui para o Exército, após meu pai dele ter se aposentado, lá encontrei o velho amigo Manoel, que mais de cinco anos após quando dei baixa do Exército ele lá continuou.


Explicada algumas coisas, vamos aos fatos:

Teresinha de Jesus, contava com 12 anos quando falecera, um trágico desenlace que abatera toda a vizinhança, pois era já uma mocinha, educada e prestativa.
           Mas eu não tinha a noção do que era a morte, mas foi nesse momento que passei a conviver com essa presença doída na vida de todos.
        Algum tempo depois Dona Dalva teve outra menina, a quem registrou com o nome da amada e falecida filha Teresinha de Jesus, pouco tempo depois esta filha contraíra uma grave doença, provavelmente tifo e a pobre menininha chegava a arrancar os próprios cabelos de tantas dores de cabeça, dores fortíssimas pelo corpo, vômitos constantes e altíssima febre. Os pais desesperados não tinham mais o que fazer para tentar salvar a vida da filha.
Certo dia minha mãe sabendo do estado deplorável que estava à menina e do desespero de sua mãe, Dona Dalva, e vendo os filhos maiores, cujo mais velho deveria contar 10 anos também em desespero, caminhavam de um lado para outro ou mesmo sentados às sombras das árvores chorando baixinho, resolveu, mesmo sabendo do ódio mortal que essa Senhora por ela nutria, foi resoluta até sua casa e à porta bateu e aguardou. 
Ao abrir a porta Dona Dalva ficou estupefata, pois ali estava minha mãe, a mulher que ela tanto odiava, que num gesto humanitário, compadecida com a dor de outra mãe que sofria tanto quanto a filha doente, um sofrimento que só sabe quem tem filhos, e minha mãe já haviam perdido cinco, ainda em seus primeiros meses ou dias de vida, pois era um país com altíssimas taxas de mortalidade infantil, tinha ido a sua casa para ver Teresinha de Jesus, que passava por um estágio gravíssimo da doença.
Mamãe disse a dona Dalva o motivo que a levara até sua casa, e essa, comovida, com os olhos marejados convidou mamãe a entrar e levou-a até o quarto onde estava contorcendo-se em dores a menina Teresinha de Jesus, num sofrimento sem igual, que dia e noite sofria com crises horríveis.
Ao chegar ao lado da cama, vendo o lamentável estado da menininha, mamãe tirou-a da cama, segurando-a firme em seu colo. A menininha parou de chorar e de contorcer-se e envolveu com seus bracinhos esquálidos o pescoço de mamãe, e uma calma estabeleceu-se naquele momento de tanta dor e desespero. Uma calma tão grande que a todos fez silenciar, e com lágrimas nos olhos dona Dalva assistia aquele momento comovente.
Mamãe caminhou alguns passos em direção a uma janela com a menininha no colo, que subitamente apresentava-se calma, parecendo estar curada das dores que lhe consumiam as forças e abraçada a mamãe a menininha deixou de sofrer, dando um último sorriso, falecendo em seus braços. Braços ternos da pessoa que tanto sua mãe odiava.
Dona Dalva num momento de dor, entre lágrimas abraçou minha mãe e por um breve momento aquelas duas mulheres que tanto se odiavam tiveram uma nesga de compreensão e carinho uma pela outra.
Mamãe, com lágrimas nos olhos, entregando a menininha morta aos braços de Dona Dalva, disse:
- Agora ela está em paz.
Tristeza muito grande abateu-se na vizinhança, muitas lamentações, choros comovidos e doídos, romaria à casa pobre de seu Manoel.
Passou-se algum tempo e lá estava dona Dalva novamente grávida.
Meses depois ela teve outra menina, e resolveu homenagear as filhas falecidas dando-lhe o mesmo nome, Teresinha de Jesus.  
Antes de completar um ano de vida, a nova Teresinha de Jesus, adoeceu e começou com os mesmos sintomas da irmã falecida, novamente o desespero abateu-se sobre aquele casal, que associando a doença ao nome, resolveu então chamá-la de Dalvinha, em referência a sua mãe, Dalva.
Por ironia do destino algumas semanas após terem trocado o nome da menina, por conselho de amigos, no seio familiar a mesma começou a apresentar melhoras e com o tempo ficou curada, mas, por prevenção continuou a ser chamada de Dalvinha para sempre.
        

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