O que transcrevo
abaixo é mais uma história encontrada em meu livro de Memórias, sobre o meu
velho pai Floribal Farias Teixeira, quando ele era ainda um menino de dezesseis anos e morava em uma
pobre casa no Fragata, em Pelotas.
Ele sempre contava esta
história e dizia que a raiva havia passado, pois como vaticinara o engraxate a
sua vida mudara da extrema miséria a uma vida de segurança e fartura.
Certa feita, o jovem enamorado, que contava com seus dezesseis anos,
fez uma aposta no jogo do bicho e acertou o milhar na cabeça. Não havia jogado
muito, mas deu para pagar umas contas, dar um bom dinheiro para sua mãe e ainda
mandar confeccionar um terno de casimira inglesa, e comprar um belo chapéu, sapatos,
camisa e gravata, e num domingo todo faceiro foi passear na Praça Coronel Pedro
Osório, sorridente e garboso.
No corredor da praça que sai em diagonal ao Mercado Público, em frente
a Prefeitura havia uma banca de engraxates. Ali o jovem, ainda um menino parou
para engraxar os sapatos empoeirados.
Sentou-se em uma das cadeiras e enquanto um engraxate fazia o serviço
de escovação e graxa em seus sapatos, o irmão desse, também engraxate, caminhava de um lado para outro e
recitava um versinho a cada vez que passava perto do jovenzinho Floribal que
sem se dar conta do que acontecia ao redor, admirava os prédios belíssimos que
compõem o mais precioso conjunto arquitetônico da cidade, Prefeitura,
Biblioteca e Mercado Público, Banco do Brasil e Grande Hotel em frente daquele
canto da praça.
E assim recitava o verso o tal
engraxate:
- “Burro tenente!”.
“Carrega a carga e não sente!”.
E várias vezes repetia a mesma
cantoria:
- “Burro tenente!”.
“Carrega a carga e não sente!”.
O jovem não entendia porque o
engraxate fazia insistentemente aquele versinho rindo maliciosamente.
Após ter terminado o serviço o jovem pagou ao engraxate e foi-se
garboso Praça a fora com seu lindo terno e seu vistoso chapéu.
Após ter passeado pela Praça Coronel Pedro Osório e pelo centro da
cidade, foi até a Rua Floriano Peixoto para pegar uma condução para o Fragata,
instante em que no ponto de bondes foi dar uma ajeitada nos cabelos, tirou o
chapéu, momento em que varias bolinhas de papel caíram de sua aba.
Constrangido e envergonhado, vermelho como um pimentão maduro, tapado
de nojo o jovem até pensou em voltar à banca de engraxates para tomar
satisfação ao fazedor de versinhos. Mas ao contrário, levado por essa vergonha
foi-se embora.
Vinte e dois anos depois voltaria
a essa mesma banca de engraxates que ainda funcionava com os mesmos irmãos, já
velhos que continuavam a engraxar sapatos, só que agora sim, como vaticinara em
seus versinhos o engraxate, um garboso Tenente do Exército, em seu belo
uniforme verde oliva, com as belas estrelas sobre os ombros, mas nada disse, pois
viram os irmãos ao longo dos anos multiplicarem-se as divisas, quando por ali
seguidamente passava, e depois o losangos dourados, um em cada ombro como Subtenente
e finalmente brilhar as estrelas azuis de pontas prateadas do “Burro Tenente”.
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