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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

9º RI - Boca Fechada


No jargão militar, tocar horror é quando o comandante da unidade manda inesperadamente a tropa entrar em forma, ao chamado do Corneteiro-de-Dia, para fazer uma súbita inspeção na tropa e é aquele corre-corre, ou mesmo, para uma recomendação que o próprio deseja fazer diretamente aos seus comandados.

Cada toque tem uma determinada finalidade, seja o toque da Alvorada, onde os Sargentos-de-Dia, juntamente com os Cabos-de-Dia, no grito ou no apito aceleram suas subunidades e os Soldados correm para os banheiros para fazerem sua higiene matinal, após deixarem suas camas devidamente arrumadas, pois quase imediatamente haverá o toque do tão esperado café da manhã, onde as Companhias já em forma, sob o comando do Sargento ou Cabo-de-Dia aguardarão em forma o Oficial-de-Dia ordenar ao Corneteiro que, através de um toque específico para que tal ou qual subunidade avance em passo cadenciado em direção ao Rancho, aonde será servido o desjejum.


Há o belíssimo e melancólico toque de Silêncio, quando os soldados recolhem-se às suas camas e reina um absoluto silêncio e paz, momento em que, em total silêncio os Sargentos e Cabos que estão de serviço preparam-se para uma noite de sono interrompido, para as tarefas de ronda aos postos de vigilância, guarda ou permanência junto a Guarda principal, para que o Sargento Comandante dessa possa descansar boas horas. Já o Cabo da Guarda não é poupado, pois a cada duas horas as sentinelas tem que ser substituídas, sob o comando e na presença de tal praça-de-pré.

Muitas vezes estando de Sargento-de-Dia, ficava próximo ao Corneteiro e assistia da primeira a última nota, do toque de silêncio, principalmente quando este era entoado pelo Cabo Avelino, Cabo Velho, exímio Corneteiro, depois corria para a minha Companhia para ver se estava tudo a contento, sob o controle do Cabo-de-Dia, o que ainda hoje me traz uma grande nostalgia e recuerdos. Há o toque de reunião de Oficiais, enfim, para cada atividade há um toque específico.

Em 1967, no regimento em que servia, era o seu Comandante o Coronel Antônio da Fonseca Sobrinho, homem enérgico e competente que não levava ninguém para compadre. porém caí nas graças de tal Coronel que seguidamente me chamava a seu gabinete para um serviço, fosse um gráfico, um elaborado desenho ou mapas. Obviamente nenhum se comparava aos do, então Segundo-Sargento Camargo, hábil nos pincéis e tintas.

Certa manhã, logo após a formatura diária, “tocou horror”. Corneteiro perfilado ao lado do Mastro em meio a Avenida Regimental chamando todos os Comandantes de Subunidades.

Mas, após tal toque de Horror, Capitães Comandantes das Subunidades, apressadamente subiram ao Gabinete do Coronel Fonseca, e esse após rápida reunião ordenou que todos os Sargentos deveriam estar em frente ao Palanque Oficial para um reunião com ele próprio às dez horas daquela manhã.

Imediatamente soldados, jogados feito mala de louco corriam para todos os lados para avisar este ou aquele Sargento de tal reunião e a ordem corria como um telefone sem fio, de boca a ouvido e todos, do mais simples soldado aos mais altos postos imediatamente ficavam cientes de tal reunião.

E foi num vu. Sargentos de todas as atividades, instrutores, burocratas, mecânicos, músicos, furriéis, enfermeiros, graxeiros(1), enfim todos, minutos antes da hora marcada já estavam em frente ao Palanque. Uns conversando, alguns apreensivos, outros mais perdidos do que cusco em procissão, mas todos arrumando seus uniformes e ajeitando suas coberturas.

Havia no regimento uma infinidade de vidros de todos os tamanhos, em centenas de janelas e portas. Muitos destes vidros estavam quebrados, por tempestades ou descuido de algum militar. Para tal foi feita essa reunião para saber a responsabilidade, já que cada Sargento-de-Dia e Sargentos Comandantes das duas Guardas que existiam na época, a G-1 e a G-2, eram os responsáveis pela fiscalização de algum evento dentro de sua área de atuação. E como havia muitos vidros quebrados e não havia os registros dessas ocorrências o Coronel Fonseca resolveu mandar trocar todos os vidros quebrados e nesta reunião disse, em companhia do Tenente-Coronel S/4, Chefe da Seção Administrativa, Antônio Machado dos Santos, que mandaria trocá-los e que os gastos seriam rateados entre todos os Sargentos, já que não haviam as devidas ocorrências (partes), obrigatórias e precisas.

Os Sargentos, dos Terceiros aos Primeiros, entreolhavam-se e sestrosos nada disseram, pois todos se borravam nas tangas em frente ao Coronel Fonseca. Porém um Segundo-Sargento, de nome Neves, em “mala” hora resolveu dar sua opinião e levantando o braço e logo perfilando-se, disse:

- Meu Coronel! Há centenas de vidros em todo o Regimento, muitos dos quais estão quebrados há muitos anos. Perdoe-me, mas muitos desses vidros foram quebrados antes mesmo da maioria dos atuais Sargentos serem para cá transferidos. Sugiro então, que se faça um levantamento geral, com medidas e especificações de cada vidro, para que no futuro sim, sejam os Sargentos de serviço, responsabilizados.

O Coronel, do alto do Palanque Oficial, sisudo, olhou para o Segundo-Sargento Neves e secamente disse alto e claro, apontando-o com o dedo indicador em riste:

- Faça!

Virou as costas, desceu do Palanque e subiu para o seu gabinete, seguido pelo Tenente-Coronel Machado.

Enquanto alguns Sargentos levavam o Sargento Neves para à Enfermaria, pois esse havia desabado e caído ao solo, com a pressão despencada, os outros dispersaram aliviados.


Quem mandou abrir a boca?

Por vários dias o então Segundo-Sargento Neves, acompanhado de dois ou três Soldados, munido de uma prancheta, papéis, lápis, fita métrica e uma escada, mediu e fez o tal levantamento em todo o Regimento, o que foi motivo para muitos chistes e risadas.

Diz o velho deitado, digo, o velho ditado:

Boca fechada não entra mosca!


(1) Graxeiro, militar que trabalho no rancho, na preparação dos alimentos da tropa.

 

2 comentários:

  1. Boa noite amigo Prof Pedro,
    Imensa satisfação em ler esta resenha dos teus tempos de caserna.
    Tal como o amigo fui militar de carreira breve na Força Aérea e lhe digo sinto falta só e te destes causos que ocorriam à época pois o resto (além de poucas amizades que se mantém) são coisas que com o tempo se perderam.
    Abraços!

    Ps 9°RI que hoje seria o 9° Batalhão de Infantaria Motorizada em Pelotas?

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    1. Olá caríssimo Paulo Luiz, imensa satisfação.
      O tempo de caserna é inesquecível uma vez que por cinco anos trabalhei na Casa da Ordem, por onde tudo o que acontece na Unidade por lá passa. Como nasci praticamente dentro deste Regimento, meus primeiros anos de vida corria pelas avenida empoeiradas desta Unidade sendo que ainda as paredes dos alojamentos e outros prédios ainda eram de chapas grossas de aço ondulado o que dava um aspecto escuro e muito triste ao Regimento. Como o tempo foi sendo modernizada e passei por essas modernizações. Teu "PS" esta correto, o antigo 9º RI é hoje o 9º BIMz. Houve uma época que tal Unidade foi chamada de 4ºBC, ou seja, Batalhão de Caçadores, aonde meu pai também serviu. Ao me graduar deixei o Exército e segui novas oportunidades na vida civil. Gostava desta vida dentro do velho 9ºRI, fora não sei se seria a mesma coisa. Um grande abraço e muita saúde.

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