PS

PS

SEGUIDORES

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Um Peso e Três Medidas.


Em uma noite quente com prenúncios de chuva, após ter passado em revista a minha Companhia, feito a chamada do pessoal de serviço e os que pernoitariam no Quartel, deixando-a ao comando do Cabo de Dia, dirigi-me a Sala do Oficial-de-dia, para juntamente com outros Sargentos-de-Dia e o Sargento Adjunto, organizarmos a escala de Ronda e Permanência, que seriam feitas por Sargento e Cabos.

A Ronda é o serviço de percorrer a noite todos os postos de guarda, tanto do Quartel como das Companhias, fiscalizar o andamento do serviço e prestar algum apoio caso necessário.

O Serviço de permanência é um revezamento de graduados para que o Sargento Comandante da Guarda e o Cabo da Guarda descansem, e seja feita o apontamento de todo o militar que penetrar nas dependências da Unidade para dormir.

Dividido os dois grupos, coube a mim o segundo quarto da Ronda, mesmo com o tempo preparando-se para chuva isto não era o problema. O bom andamento das atividades é o que conta em qualquer momento.

Ao sair do Pavilhão de Comando em direção a minha Companhia que era a última da avenida central do Quartel, observei um automóvel negro dirigindo-se para os fundos do pátio.


Naquela época nem todos tinham automóveis e aquele sabia bem a quem pertencia. Era de um Oficial Superior, que não era o Comandante do Regimento.

Continuei meu rumo até chegar a minha Companhia, indo direto ao alojamento ver com o Cabo-de-Dia se tudo estava bem, pois tinha, após o toque de silêncio, quase duas horinhas para descansar antes de fazer a Ronda, na qual perderia duas horas de sono, porém era o melhor serviço durante a noite.

Ao chegar à porta lateral da Companhia vi movimento ao fundo desta, onde havia uma cozinha improvisada junto ao muro do Quartel, aonde o velho senhor Manoel preparava as carnes assadas e bifes que iriam para o cassino dos Oficiais.

O que mais me chamou a atenção é que o velho funcionário civil, cozinheiro e amigo desde o dia que eu nasci, pois fora nosso vizinho até o ano de 1955, já quase com setenta anos ainda estava dentro do quartel.

Isto realmente me chamou a atenção, e eu fui verificar meio de soslaio protegido pelas sombras da noite.

Ao chegar ao fundo da Companhia observei o automóvel negro estacionado de ré junto a um anexo do Rancho, e ali estava o bom e prestativo senhor Manoel, servindo as ordens deste Oficial Superior.

Via-se quase que apenas o seu avental branco, pois sua cor negra confundia-se com o breu da noite, onde nuvens pesadas rolavam em direção ao centro da cidade.

Esgueirando-me entrei na tal cozinha improvisada, que nada mais era que umas folhas de zinco presas acima do muro do Quartel, apoiadas em meia dúzia de tábua, onde embaixo fumegava todas as manhãs um velho fogão a lenha.


De dentro daquele verdadeiro cubículo fiquei observando o movimento de seu Manoel e um recruta, meio mocorongo que também era graxeiro.

Mantas de carnes, bebidas importadas e outros mantimentos eram postos dentro do porta-malas daquele enorme automóvel Hudson.


Tudo carregado, o Oficial Superior agradeceu o velho negro Manoel indo-se em direção do Portão Principal, aonde passou sem nenhuma revista pois se tratava de alta patente.

Minutos depois o velho cozinheiro saia a pé para ir para a sua casa que ficava na Rua Afonso Pena. A primeira casa desta rua, a esquerda. O Oficial Superior, sequer dignou-se em dar uma carona ao velho e cansado funcionário.

Tudo isto passou em brancas nuvens.

Algum tempo depois, um Terceiro Sargento Rancheiro, após o jantar ia saindo com sua bicicleta do Quartel quando foi interceptado pelo Oficial-de-Dia, um jovem Aspirante R2.

Esse Sargento levava sobre o quadro da bicicleta um saco com batatas.


Pego de surpresa não teve como explicar e foi encaminhado imediatamente para o xadrez.

Preso.

O referido Oficial-de-Dia relatou em seu livro de ocorrência e no outro dia o Sargento foi devidamente enquadrado pelo Sub Comandante do Regimento e punido com trinta dias de prisão. Dando serviço.

Ou seja, nesse período ficava no xadrez saindo apenas para cumprir suas atividades normais no Rancho.

Cumpriu trinta dias e não foi expulso do Exército por ser um bom Sargento e desempenhar outra função extra caserna de interesse daquela Unidade.

Passado um ano, outro Oficial-de-Dia, um também Aspirante R2, após as 17 horas viu saindo do Regimento um Cabo também do Rancho, chamou-o e passou uma revista em sua sacola de mão.

O Cabo mostrou-lhe que estava levando um uniforme para ser lavado, porém a Praça Especial, meticulosa ordenou ao Cabo que esvaziasse a sacola e deparou com uma lata de azeite de oliva embaixo do uniforme.


O Cabo, com mais de oito anos de serviço, um homem loiro e serviçal fora surpreendido em uma revista. Imediatamente o Oficial-de-Dia, mandou que o Sargento Comandante da Guarda o trancafiasse no xadrez, participando em seu livro de Ocorrência aquele fato.

Expulso

No outro dia o Cabo velho foi enquadrado pelo Sub Comandante da Unidade e simplesmente expulso do Exército.

Há alguma coisa errada nestes um peso e três medidas, e mais uma vez eu cito uma estrofe da Internacional Socialista que diz:

O crime de rico a lei cobre.
O Estado esmaga o oprimido.
Não há direitos para o pobre,
Ao rico tudo é permitido.

Tanto faz: Roubar um centavo ou roubar milhões é roubo da mesma forma.

E aí aparecem uns desorientados e abobados pedindo uma ditadura militar.

Vá ser babaca assim nos quintos.

Há militares probos, mas também há os desavergonhados. Corrupção, falta de caráter e tudo mais estão presentes em todos as classes sociais, não existe nenhuma sem suas batata podres.

A grande pergunta é a seguinte:

Por que faliu o Banco da Província do Rio Grande do Sul, sob a administração de Coronéis durante o período da Ditadura? 

Não sabes?

Deverias.


Fui!


Graxeiro: Termo usado pejorativamente dentro do Exército para identificar os militares que trabalham nos Ranchos. Cozinheiros, auxiliares e outros.



2 comentários:

  1. Bom dia!
    Colega e amigo Pedro. Sou sua fã. Saudade do companheiro. Adoro seus textos. Sempre algo novo contigo. Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Olá Caríssima Amiga Elaine Teixeira.
    Que saudades sinto eu de nossas conversas demoradas e respeitosas.
    Fico mui contente em saber que estás bem e continuas me honrando com visitas a meu blogue.
    Um saudoso e fraterno abraço.
    Prof. Pedro.

    ResponderExcluir