Negro metido, vesgo e
petulante que pensa que é alguma coisa.
Negro que assusta os
bonitinhos que andam pelo centro de Porto Alegre.
Sempre fumando e bebendo
pelos bares do Mercado ou no Chalé da Praça.
Negro arrogante e cheio de
ódio.
Que coisa pode ser esse
negro?
Negro é negro e ponto.
Migué.
Negro Migué.
Mas que de Migué não tinha
nada.
Que Negro é esse que onde
chegava resplandecia mais que o Sol, fosse até mesmo na Assembleia Legislativa,
onde muitos deputados com ele aprenderam muitas coisas.
Negro cheio de percepções,
lógicas e ideológicas.
Negro Miguel.
Miguel Marques, que se não bem
pronunciado poder-se-ia confundir com Marx. O que muita diferença não faria,
pois era também um verdadeiro revolucionário, cheio de esperança, cheio de
anseios e vontades, pois queria a revolução para ontem.
Negro Miguel, como ele
ninguém foi. Astuto como um lince, inteligente e genial. Tamanha genialidade
que muitos achavam ser loucura.
Tão genial que incorporava o
próprio Pardidão, a tal ponto que dentro do PCB surgiu sua alcunha e que todos
conheciam como o KGB. Pois foi o mais fiel escudeiro do Partido Comunista
Brasileiro e do movimento socialista.
O homem Negro botava
qualquer doutor no bolso. Crítico contumaz desta burguesia lacaia que ainda
anda por aí transpirando ódio ao proletariado. Burguesia mestiça, tão mestiça
quanto o povo, mas que se acha européia.
Esse negro, nascido em 1929
em Encruzilhada do Sul, no meu Estado do Rio Grande do Sul, desde cedo se
engajou nos movimentos sociais e o vivia a cada instante e não como é hoje a
maioria de nossa juventude, perdida nas drogas e na frivolidade. No modismo e
na pasmaceira. Uma juventude vazia que quase nada sabe. Uma juventude sem sonhos,
sem objetivos e sem visão de sociedade.
Essa gurizada de hoje, vazia
e sem objetivos, que vive aí pelas ruas, pelas escolas e faculdades não sabe
ao menos quem foi esse Negro chamado de KGB, pois se soubessem e conhecesse
esse Negro curvar-se-ia diante de sua genialidade, genialidade do querer, do
fazer, de ser reconhecido não como terrorista, mas sim como um verdadeiro e puro
revolucionário.
Mas hoje o que vemos é uma
juventude alienada, mesma juventude que o Negro KGB tanto se preocupava e tanto
por ela apanhou de uma também alienada polícia a serviço desta burguesia
hipócrita e vazia.
E sempre dizia o Negro KGB:
“A burguesia faz todo
esforço possível para nos convencer que ela tem o direito eterno e imutável de
nos explorar. A religião, a filosofia, o matriarcado, a pátria, a família, a
ciência, a arte e a literatura; enfim. A burguesia usa para nos levar a crer
que ela tem este direito, o tempo todo e a vida toda”.
Sua vida foi sempre uma
verdadeira encruzilhada. Ou muitas encruzilhadas onde ele vivia no fio da
navalha. Pois muito jovem ainda começou a participar do movimento comunista em
sua cidade natal. Odiado e perseguido, mas muito amado e admirado pelos que
queriam transformações.
Transformações sonhadas pelo
Negro KGB.
Quando chegou o malfadado
ano de 1964 estava em Porto Alegre, onde foi perseguido e preso pelo DOPS, e
muitas vezes torturado. Torpes torturas, pau-de-arara, fome e sede.
Mas o negro não amoleceu e
continuava sempre na sua habitual provocação aos capachos da ditadura, mesmo
preso, e não tinha medo de enfrentar quem quer que fosse.
Negro Miguel, o KGB, que
tive o máximo prazer em conhecê-lo, conviver e aprender. Homem com um carisma
sem igual, carisma impregnado do querer fazer, do querer aprender e do querer
ensinar.
Numa quinta-feira, com a
guaiaca meio vazia, encontrei Miguel no Largo Glênio Peres e ele sempre sério
ao me ver, após me cumprimentar disse com sua voz grossa e pausada:
“Camarada! “Me dá” uns pilas
para eu comer e beber alguma coisa”.
Prontamente socializei o que
tinha e ele se foi em seu passo lento em direção ao Mercado Público, comer e beber e eu fiquei
por um instante admirando aquela figura ímpar em seu passo lento, talvez sonhando
com um mundo novo, um mundo de justiça, esperança e beleza. Um mundo de paz e
prosperidade onde não houvesse exploração, onde não houvesse miséria, onde não houvesse tanta injustiça.
Negro, leitor contumaz,
autodidata, professor, mestre e doutor na sua arte, a arte de discutir a
sociedade, que jamais baixou a guarda e se quer baixou a crista.
Numa das encruzilhadas da
vida morreu, atropelado em Curitiba, mas deixou seu legado, seu espírito de
luta, de crítica contumaz ao imperialismo, de amor a classe proletária e de
grande capacidade de assimilar o novo, de aprender e admirar o belo de ver as
coisas pelo viés ideológico tão puro quanto ele próprio.
Que saudades do meu
camarada, amigo e irmão KGB, um homem bom e sonhador.
O exemplar KGB - O ódio me alimenta.
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