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sexta-feira, 15 de março de 2013

O Sumiço do Negro Otávio.






Adália, irmã mais velha de minha mãe vivia as turras com Otávio, mas esse era um já rapazote e não lhe dava muita atenção. Otavio era filho adotivo de meus avós maternos.

Uma das tardes mais tristes para minha mãe foi quando ela ainda menininha, presenciou uma discussão entre Adália e Otávio. Discutiram porque Adália queria o lugar onde Otávio estava sentado tomando seu café da tarde, E Camila, minha avó disse em tom impositivo:

- Adália! Pare de implicar com teu irmão, é sempre aí que ele senta.

- Ele não é meu irmão, ele é um enjeitado. - Disse Adália, e não contente jogou-lhe uma xícara de café quente por cima.

Num salto, Otávio tentou se defender, mas já sentiu o peito a arder como brasa, Uma brasa que machucou muito mais seu coração do que a sua pele negra. A dor que sentiu não foi física somente, mas foi maior do que a de uma queimadura de ferro em brasa que marca o couro de um bagual nos potreiros das estâncias.

Foi uma ferida que jamais esqueceu gravada a fogo em seu coração.

Camila e Quininha correram em sua direção para prestar-lhe socorro, mas esse sumiu nos costados da casa com os olhos cheios de lágrimas. Quininha abraçada em sua mãe também chorou, pois Otávio além de irmão era também um fiel protetor.

Ao cair daquela noite, a menina Quininha sentada a porta da casa, admirava um nada escuro, cortado por lindos arabescos formados por uma revoado de vaga-lumes que se atrevia a formar com sua luz amarelada uma diversão para a menina, numa época em que nem sabia o que era luz elétrica, ainda mais naquelas paragens onde o tempo parecia não passar.



Sem que ela notasse, ao seu lado sentou o irmão, abraçando-a com ternura, e em voz baixa lhe disse:

- Quininha, tu és muito criança ainda para entender a vida. A vida vem e a vida vai. E se um dia tu não mais me veres, saiba que eu jamais vou te esquecer, pois tu és a irmã que eu amo. Tu estarás sempre no meu coração.

E abraçados os dois ficaram um longo tempo, um tempo em que lágrimas regaram aquela amizade tão doce e pura como o mais fino mel campeiro.

Levantou-se Otávio que nessa época já contava dezoito anos, e ao sair, virou-se para a menina e disse:

- Pode passar anos e anos, mas um dia vou te ver, mesmo que seja a última coisa que eu faça em vida, e sumiu naquela escuridão em direção do galpão.

Na madrugada daquela noite, Quininha acordou com o maior alvoroço. Correu e antes de entrar na cozinha ouviu seu pai dizer para Camila, que acabava de levantar:

- Mimosa,  Otávio sumiu, sem deixar rastro.

Pasma, Camila encostou-se numa cadeira, e logo foi amparada pela velha agregada Felizina, que também estava surpresa.

Aos prantos Quininha adentrou a cozinha perguntando por seu irmão:

- Onde está Otávio? Onde está meu irmãozinho.

- Não sei minha filha! - Respondeu Juca - Já andei por todo o Canto Grande, Passo das Pedras de Cima, Passo das Pedras de Baixo, já andei para os lados da vila do Capão do Leão, e nada.

Todos em silêncio ouviam o choro dolorido de Quininha, quando Camila, tentando amenizar aquela tristeza dizendo:

- Não chores minha amada, ele vai voltar, não é galdério para viver largado a la cria pelo mundo.

Naquele dia Adália nem sequer saiu do quarto, pois no fundo ela também gostava muito de irmão Otávio, quem ela jamais veria.

Com o tempo as cicatrizes daquela dura e inesperada separação foram desaparecendo do coração de Quininha, mas jamais ela esqueceria do irmão, amigo e amado. O negrinho Otávio jamais sairia de suas lembranças.

O irmãozinho do coração que ela tanto gostava, o irmão trabalhador e seu incansável defensor, pois cuidava seus passos como um anjo da guarda e quando ela fazia suas travessuras era o negro Otávio que corria em seu socorro sempre arrumando uma maneira para que a irmãzinha não levasse um castigo

Em 1968, não sei por que cargas d’água meus pais resolveram ir a um asilo em Pelotas, levar um pouco de conforto aos velhinhos e velhinhas que ali estavam. Levaram frutas, bolachas, sabonetes, bombons e distribuíram para aqueles que, ali se encontravam recolhido ou abandonados, sendo que muitos já estavam no fim da vida. 

Minha mãe aproximou-se de uma cama, onde um velho senhor, de cabelos brancos como velo, que estava sorridente, olhando para aquele casal desconhecido e com ele começou a conversar. Havia passado 44 anos, jamais ela imaginaria que aquele homem simples, em uma cama de um asilo tão interessado em saber quem ela era, seria o seu irmãozinho Otávio, e ele jamais imaginaria que aquela senhora tão elegante e fina quanto seu esposo, um elegante senhor, em seu traje de linho ostentando um belo e legítimo chapéu-panamá, com a grife Prada seria sua amada irmãzinha Quininha. 

Choraram abraçados após terem se identificado e por várias horas relembraram e contaram suas histórias. Jamais imaginariam um dia em se verem. Naquela mesma tarde, meus pais foram a uma loja e compraram roupas para retirar o velho negro do asilo e levá-lo para morar em nossa casa. Mamãe irradiava alegria, fazia projetos e planos.   

Escolhera o quarto mais ensolarado, bem da frente da casa, em que morávamos, a Rua General Argolo 101, esquina com a Rua Santa Cruz, o qual seria de Otávio. 

Na manhã seguinte, um belo dia fresco de primavera, com o Sol em seu belíssimo brilho, que inundava de esperanças a nossa querida Pelotas, mamãe parecia brilhar mais que o próprio Astro Rei, tal era sua alegria e bem cedo saíram de casa e foram para tal asilo trazer Otávio. 

Ao chegarem foram informados que ele havia passado mal, logo após terem saído e que o levaram para a Santa Casa de Misericórdia. Às pressas, meus pais dirigiram-se para tal hospital, e em lá chegando souberam que Otávio havia falecido naquela noite.

O Velho negro Otávio havia vaticinado bem o seu destino, pois a última coisa que fizera em vida fora rever a querida irmãzinha Quininha. Ele foi sepultado envergando as roupas que ela havia para ele comprado.

Infelizmente não o conheci”.  


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