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quinta-feira, 5 de junho de 2025

 

O NEGRO OTÁVIO.

Minha avó materna Camila Barbosa da Rosa – Mimosa, já casada pegou um negrinho órfão, chamado Otávio e o criava como um filho, algum tempo depois ela viuvou, mas não abandonou seu amado filho Otávio. Algum tempo depois um Uruguaio de Treinta y Três uma cidade do Uruguai, chamado José Luís Pereira de Castro, meu avô materno entrou no Brasil pelos Campos Neutrais e em Capão do Leão conheceu uma bela e jovem viúva, se apaixonaram e casaram, com a condição de que o Negrinho Otávio ficasse com ela. Juca, como era conhecido meu avô concordou e passou a tratar o negrinho como seu filho, a ele ensinando as lides do campo, já que era um criador de gado. Negrinho Otávio vivia no seio daquela família como um verdadeiro filho.

Anos depois nasceu minha tia Adália, a filha mais velha do casal, irmã de minha mãe que nasceria dois anos após. Otávio, extremado, passou a cuidar com amor e carinho da nova irmãzinha,  Maria Joaquina, Quininha, minha mãe. Eram unha e carne e ele mesmo dizia que preferia lavar pauladas nas espáduas, mas não aceitaria que alguém fizesse qualquer mal à amada Quininha.

Tia Adália era uma menina maleva e não gostava de Otávio. Em uma tarde desentendeu-se com ele e no calor da discussão jogou-lhe uma caneca de café quente no peito do agora adolescente, agora com 16 anos. Vovó Camila correu para atender o jovenzinho negro, mas esse com dor não só no corpo como muita dor no coração, saiu da cozinha e sumiu para as estrebarias, ficando o resto do dia entre ovelhas, bois e cavalos.

Ao cair da noite mamãe, uma menininha de seis anos sentou-se chorosa à porta da casa e com os olhos cheios de lágrimas esperava a volta do irmãozinho querido. Quando menos esperava ao seu lado sentou-se o irmão, ainda sentindo muitas dores da queimadura.

Abraçaram-se com ternura e carinho e Otávio a ela disse:

- Quininha, não fales para ninguém, mas hoje vou embora, vou viver em outras plagas. Mas não esqueças que mesmo que seja a última coisa que eu faça na vida é te ver novamente, ai até posso morrer.

Na manhã seguinte meus avós ao acordarem não encontraram Otávio. Pensou vovô que ele já estivesse ordenhando alguma vaca e após tomar um belo café dirigiu-se para o curral. Chegando lá não encontrou o Negrinho e foi até as cocheiras dos cavalos e lá deu a falta do cavalo de Otávio e seus arreios. Seu coração despedaçou-se, pois não encontrava o filho Otávio em nenhum lugar.

Comunicou a Vovó Camila do desaparecimento do menino. Logo, encilhou um cavalo e se tapou de quero-quero a procura do filho. Chegou enfim a então vila do Capão do Leão e o procurou incessantemente, perguntando a um e a outro se haviam visto o menino que era bastante conhecido naquelas canhadas. Não o encontrando voltou para casa abichornado.

Por onde andará esse piá.

Nunca mais o Negrinho voltou para casa. Sumiu no mundo.

Com a Crise dos anos 30, o Banco Pelotense abriu falência e era nesse banco que vovô tinha todas as suas economias. Vendo-se arruinado e sem dinheiro, vendeu o que tinha e rumou para Pelotas, agora com mais uma menininha de 2 anos, Tia Zélia e de imediato começou um negócio próprio a lo largo do Arroio Fragata, mas as vicissitudes o levaram para a cidade onde foi trabalhar na Fábrica de Conservas Almeida, aonde trabalhou por muitíssimos anos, até se a posentar.

Nesses anos mamãe conheceu um rapazote de nome Floribal Farias Teixeira, mais conhecido como MINOSO e com ele veio a casar-se. Eles, meus pais, trabalharam em várias empresas, como numa fábrica de cordas, mas mamãe com muita insistência fez com que ele entrasse no Exército. Foi para ele a salvação. Logo foi promovido a Segundo Cabo e um ano depois a Primeiro Cabo. Graduações que não mais existem no Exército, sendo hoje apenas Cabo, daí a muitos anos chegou a Primeiro Tenente, passando para a reserva do Exército em 1962, quando servia no Arsenal de Guerra de General Câmara.

Voltamos para Pelotas e no ano de 1967, e numa tarde papai convidou mamãe para visitar e levar algumas coisas aos velhinhos de um asilo não muito longe de nossa casa. Compraram sabonetes, balas, chocolates, talcos e outras coisas e foram na manhã seguinte, resolutos levarem um pouco de carinho e amor àqueles que viviam seus últimos dias.

Alegria geral, papai e mamães distribuindo aos velhinhos necessitados não só guloseimas, mas atenção e carinho.

Num repente papai viu mamãe chorando abraçada a um velho negro afundado em uma cama. Aproximou-se e mamãe com lágrimas nos olhos lhe disse.

- Minoso, veja quem eu encontrei. É o meu irmão Otávio.

Papai que sabia da história deste irmão de mamãe, desaparecido, emocionou-se e o abraçou efusivamente. Todos naquele quarto emocionaram-se ao ver aquele improvável reencontro décadas e décadas depois.

Alegria, alegria e muita alegria.

Mamãe foi decidida e disse ao querido Irmão:

- Amanhã voltaremos para te levar para nossa casa, onde irás morar.

Saíram do Asilo e foram direto a uma loja, aonde ela comprou roupas para o Negro Otávio, seu amado irmão, pois estava realmente decidida que ele iria morar em nossa casa.

Naquele mesmo dia desocupou uma segunda sala bem à frente da casa e com a ajuda de papai montaram um belo quarto, cama, lençóis novos, uma poltrona, um guarda roupas, trocou as cortinas, pois ali seria o quarto do irmão amado.

Naquela tarde eu havia chegado do quartel e ao ver aquele reboliço perguntei a ela o que estava acontecendo e ela me contou do feliz reencontro. Fiquei feliz, pois desde menininho quando ela contava as histórias envolvendo Otávio eu ficava feliz e até emocionado, pois tinha um Tio que não conhecia.

Dia seguinte os dois com uma sacola com as roupas novas para Otávio dirigiram-se ao Asilo para trazê-lo à nossa casa.

Ao chegarem, já na recepção foram informados que o velho Negro Otávio havia passado mal após eles terem saído do Asilo no dia anterior e que o levaram de imediato para a Santa Casa.

Sem pestanejarem rumaram para tal hospital.

Ao chegarem à Santa Casa foram informados por ou  Médico que Otávio havia passado muito mal àquela noite e que viera a óbito.

Tristeza geral. Morria o Tio Otávio, conforme havia vaticinado quando tinha apenas 16 anos. Minha mãe inconsolada voltou para casa numa tristeza de dar dó. Foi-se seu irmãozinho do coração vestindo as roupas que ela havia comprado para ele.

Não conheci o Tio Otávio, mas sempre o guardei no coração e sempre me emociono ao lembrar-me das histórias que mamãe dele contava.