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terça-feira, 14 de março de 2017

Pobre Menino.





Caros amigos e amigas, leitores deste espaço, passo a transcrever abaixo, parte de meu livro ainda sem título, sobre minhas memórias, histórias hilárias, emocionantes e muitas delas tristes, mas que foram o cimento que embasou minha vida, com isto quero deixar para meus filhos as raízes de nossa saga, que começa, pelas informações que disponho desde o fim do Século XVIII, e se mais rico não ficará este livro foram por motivos não entendidos, pois muito de nossa história, como documentos, fotos e outros materiais, por despeito ou vergonha a mim não foram entregues com a morte de meus saudosos pais. Desculpo os que assim procederam, mas felizmente tenho uma memória privilegiada e conto com narrativas dos troncos mais antigos da família que me propiciaram escrever esse livro:

                   Meu pai, Floribal Farias Teixeira
             ...

            Nesta época Lourival, meu avô, passava o seu tempo de folga, lendo. Lendo tudo que aparecesse em sua frente. Devorava livros e jornais, numa avidez sem precedentes, era um homem inteligente que viera de uma infância educada e instruída, o que o conduzia cada vez mais para o conhecimento. E foi sempre assim, mesmo depois de aposentado continuava suas longas leituras, devorando livros e mais livros em constantes visitas à Biblioteca Pública de Pelotas e o que sempre chamou minha atenção quando menino, de dez ou onze anos, era que meu avô lia costumeiramente o Diário Popular de Pelotas, e de posse de uma caneta ou lápis, corrigia todos os erros de português, até mesmo os das propagandas e anúncios, chamados na época de “reclames”.

          Algum tempo depois meus avós voltaram para Pelotas, provavelmente em março de 1924, já separados. Ele foi trabalhar como balconista das Lojas Rochedo, onde permaneceu até o ano seguinte quando abriu o seu próprio negócio, um armazém de secos e molhados na Rua Almirante Barroso, onde morava ocasionalmente sua sogra Maria Emília, e seus filhos Floribal e Maria.

Minha avó Idelvira, mais conhecida como Bibira, com agora um só filho, de nome Gumercindo, desempregada e sem perspectivas, resolveu dar o seu filho menor aos padrinhos deste, João Francisco e Francisca, para que eles o criassem, tendo assim o menino, onde morar e o que comer. (1).

Os filhos mais velhos Floribal, meu pai e Maria Rafaela, sua irmã, passavam algum tempo com o pai em seu armazém e em outros curtos períodos com a mãe. Tempos antes, numa época de muitas dificuldades Floribal, ainda um menino de seis anos, trabalhara por algum tempo em uma olaria. Seu serviço era o de tocar a mula que passava longas horas em volta do amassador de barro, movimentando a engenhoca. E tão logo o barro fosse devidamente triturado e amassado eram feitos os tijolos, manualmente, um a um, em formas de madeira, por experientes oleiros que trabalhavam de sol-a-sol, descalços e famélicos e sem nenhum direito trabalhista. Livres escravos ignorantes.  

Também nessa época, Floribal fora matriculado no colégio para cursar o chamado primeiro livro. Pouco conseguia aprender, mas conseguiu passar para o segundo livro. O que foi uma vitória.

No fim do ano de 1925, na escola em que ele estudava, houve uma festa de Natal e lá foi o miserável menino Floribal, com suas perninhas brancas e finas de pés descalços, pois sabia que haveria uma distribuição pobre de brinquedos, mas para ele seria o máximo, afinal os únicos brinquedos que tinha eram por ele próprio feitos de pedaços de tábuas ou barro.

Ao chegar a hora tão esperada viu um belo bonde, chamados em Portugal de elétrico, feito de lata, amarelinho como eram os bondes, da Cia Light & Power, que fazia o transporte público em Pelotas, com suas rodinhas negras que bem retratavam as verdadeiras rodas. Seus olhos vidraram de emoção, seu coração disparou em desejo de ter aquele belo brinquedo. Era tudo que um pobre menino, um miserável menino podia esperar no Natal. Ficou por muitos minutos namorando aquele belo bonde, e quando chegou a sua vez de ganhar um presente uma jovem professora passou a mão em seus negros e ondulados cabelos, olhou seus tristes olhinhos e foi até a mesa onde estavam os brinquedos e trouxe-lhe o tão sonhado bonde.

Mais uma vez seu coraçãozinho disparou de emoção, sua alegria fez brilhar seus ternos, tristes e meigos olhinhos verdes e ele engasgado nessa pura e inocente alegria, emocionado e feliz, esticou os bracinhos finos, com seus dedinhos tremendo de emoção.

Mas nesse exato momento a diretora da escola saltou a frente da sua professorinha tirando-lhe das mãos o tão encantador bonde e disse:  

- Ele não precisa disto e sim de um par de carpins, (meias).

Foi como uma punhalada em seu já sofrido coração e com os olhos transbordando em lágrimas de tristeza viu seu sonho acabar abruptamente, o chão abriu-se sob seus pezinhos e mais uma vez a vida o empurrava para a mais profunda dor, mas como consolo tinha pelo menos um par de carpins que o ajudariam a secar as lágrimas que lhes corriam céleres pelo seu rostinho pálido e sereno.

Muitas vezes quando papai contava esta triste história seus olhos se enchiam de lágrimas, e eu, um menino me retirava para um canto isolado em nosso, para mim extenso pátio, e a sombra de uma árvore ou aconchegado em minha cama, me debulhava em prantos, de tanta pena de meu pai, o que me fez verter lágrimas neste momento.

Foi o primeiro e último ano que ele frequentaria aquela escola, seus estudos reiniciariam quando sentou praça ao Exército em 1936, e passou a frequentar ocasionalmente a Escola Regimental. Mas seus estudos mais proveitosos eram feitos em companhia de seu amigo e colega de farda o então soldado Frederico Schwanz, que viera a ser meu padrinho e que muito auxiliou meu pai a seguir avante na carreira militar.

Com o fim da participação pequena, mas heroica do Brasil na Segunda Grande Guerra, papai, além de vários sargentos seriam exonerados do Exército durante o Estado Novo, mas que depois de muitas batalhas judiciais foram reintegrados à caserna, após a destituição de Getúlio Vargas em 1945, pelo General PEDRO AURÉLIO de Góis Monteiro, motivo pelo qual assim é meu nome.

                            Meu padrinho Capitão Frederico Schwanz
... 
 Frederico Schwanz e papai Floribal Farias Teixeira serviram juntos por mais de 20 anos na mesma Unidade do Exército, o 9º Regimento de Infantaria sediado em Pelotas e quanto atingiram ao Oficialato foram transferidos para locais distantes e diferentes, sendo meu pai transferido para o Arsenal de Guerra, em General Câmara no Rio Grande do Sul e meu padrinho foi para Campo Grande, no então Mato Grosso. Hoje Campo Grande é a Capital do Mato Grosso do Sul.



Meu pai sempre foi muito grato ao amigo Frederico Schwanz.

(1) - Em outra oportunidade contarei sobre meu Tio Gumercindo e seu Padrinho João Francisco, é de chorar, pois foi triste e quase trágico.


 

4 comentários:

  1. Que legal, desejo sucesso e quero um exemplar autografado deste livro.
    Abraços

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  2. Que imenso prazer em tê-la de volta comentando meu espaço.
    Pois é Anajá, a vida é cheia de voltas e reviravoltas. Meu avô paterno é filho de uma abastada família de criadores de gado. mas que, não bem administradas pelo meu bisavô e com os reflexos da Revolução de 1893 faliu e meu pai nasceu pobre, pobre, pobre de marré deci, porém foi um vitorioso e consegui dar a volta por cima.
    Caríssima foi um privilégio.
    Um respeitoso abraço, extensivo aos familiares.
    Terei imenso prazer de levar-te um livro autografado, se um dia conseguir publicá-lo.

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  3. Bom dia, bons dias, PEDRO AURÉLIO, meu querido amigo!

    Tudo bem por aí, contigo? As meninas e os meninos? Aqui, tudo satisfatório, graças a Deus (não leias o último vocábulo da frase - rs).

    A História é uma ciência (foi difícil ser considerada como tal, e tu sabes e eu sei das "manobras" efetuadas) maravilhosa, não exata, como todos sabemos, mas essa tua história, e embora não te tenham dado, permitido "beber na fontes", tua memória armazenou todas elas, tenho certeza, como tu mesmo dizes.

    Teu futuro livro, embora seja biográfico, o k nem sempre interessa a todos, sei k vai ser mto bom de ler e nos prenderá do início ao fim.

    Li tudo o que descreveste sobre o teu amado pai, e tb eu, fiquei constrangida. Esse "minino" tinha o direito de ter esperança no olhar e um bonde, apenas um bonde? Retirar das mãos dele, O SONHO. Ah, isso não se faz! Que professora tão desumana! Ela não sabia nada de Afetos, de Didática Emocional e nem entendo mesmo como ela tinha esse mister, embora eu saiba que antigamente, alguns Professores tinham mentalidade de carrasco. Evidente k todos (adultos) sabemos k é importante andar vestido e calçado, mas caramba, Pedro, retirar o elétrico das mãos do menino e mandar lhe dar umas meias! O teu pai preferia, como é normal, o elétrico às meias. Será k ela não entendeu uma coisa tão simples?

    O mundo gira, muda, transforma-se e pouco a pouco teu pai foi trepando, profissionalmente, de forma honesta e isso é k tem todo o mérito.
    Teu padrinho foi uma luz na vida dele, talvez a mais importante, logo a seguir aos pais de teu amado pai. Vida militar o esperava com brilho e competência. Compreendo, muito bem, a admiração e respeito que tens pelo capitão Frederico Schwanz.

    Gostei mto da expressão k tu usaste: livres escravos ignorantes. Isso, é de quem sabe o que é a sociedade e aquilo k nela se passa e não é só a tua formação académica superior que te ensina tudo isso, não, é antes, tua sensibilidade, teu coração e tua forma de ser.

    Beijos para todos vocês e desejo-vos tb um domingo em cheio, com meias e bondes (rs)!

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    1. Amada Céu.
      Antes quero dizer-te que estão todos bem, e que sexta feira passada à noite tive um encontro, em uma pizzaria na cidade de Esteio, com meus ex e amados aluno da Escola Lourdes Fontoura, da cidade de Sapucaia do Sul, local em que lecionei de 1996 ao ano 2000, foi, como tem sido nos três últimos anos uma festa, entre lágrimas de alegria e muitas risadas e “causos”.
      Sempre um imenso prazer ler e ter teus comentários enriquecedores, que não nego, o presente me faz verter algumas sorrateiras lágrimas pensando em meu pai.
      Ele foi um vitorioso, apesar de ser fruto de uma família abastada, como era a de seu avô Joaquim Luís, mais conhecido como “Velho Pedra”, pois diziam que no lugar do coração ele tinha uma pedra, por ser ruim, desapiedado e maleva. Mas por várias circunstância perdeu milhares e milhares de hectares de terra e todo o gado, deixando os filhos, mesmo que cultos, inclusive tio João Luís que era Médico Prático, na mais perversa pobreza e meu pai nasceu nesta miséria, mas se fez homem “peleando” pelas estradas da vida, o que não esmoreceu seu ânimo e se fez Oficial do Exército, junto com o meu sempre lembrado Padrinho, o Capitão Schwanz. Ele, meu pai, não chegou a conhecer o fausto da família, porém minha mãe, também filha de próspero pecuarista e agricultor, o uruguaio José Luís, viu a riqueza ir-se quando tinha quatorze anos, devido a Falência do Banco Pelotense, em 1931 que levou a ruína muitos industriais e pecuaristas do Rio Grande do Sul. Reflexos da quebra da bolsa de New York.
      Meu livro tem o fim precípuo de deixar alguns exemplares para meus filhos, mantendo neles o conhecimento de suas raízes e quiçá mais netos, se tiver.
      Quanto ao elétrico foi sempre uma história que me deixava triste e ainda deixa, porém naqueles idos dos anos 20 pouco ou nada se sabia de didática, muito menos de sentimentos. Hás de convir, o que se sabia em país cujo sua população na época era formada por uma esmagadora maioria de analfabetos e os que tinham algum conhecimento, esse era bem diferente do que entendemos hoje?
      Obrigado Céu por tuas palavras tão elogiosas e podes ter certeza que o carinho e o respeito que nutro por ti a cada dia se agiganta.
      Amada, beijo-a com respeito e extremado carinho.

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