aguardando um voo para Porto Alegre (RS).
Em 1975 assumi a gerência de
uma grande e conceituada empresa Rio-grandense fabricante de maquinários específicos
para a agricultura na cidade de Dourados, no hoje Mato Grosso do Sul,
desmembrado do Mato Grosso em 1979. Dourados, em pleno Cerrado, bioma típico do
Brasil central, diversificado e lindo, já era na época uma cidade de grande
progresso na agricultura. A gauchada para lá já vinha migrando desde os anos
60, derrubando o Cerrado e instalando grandes fazendas para produção em larga
escala de arroz de sequeiro e muita soja.
Ivonete, Sandrinha e Franco, filho mais velho, ainda bebê.
Assim que estabeleci o
escritório, contando com seis vendedores, passei a também viajar muito,
deixando Sandrinha com o filho mais velho que tinha pouco mais de um mês de
vida, sozinha em casa, em companhia de uma menina de nome Ivonete, que servia
de babá, já que Sandrinha, além das tarefas de mãe fora contratada por essa
mesma empresa para a Chefia desse Escritório. Nessas viagens fui a todos os
recantos do então Mato Grosso, Goiás e São Paulo, adentrando também ao Paraguai.
1975 - Com índios Guaranis em Rio Brilhante. MS.
Em minhas visitas ao
Pantanal Mato-grossense muitas histórias da região ouvi contar, por habitantes
nativos dos locais por onde passava.
1977 - Franco com seu amiguinho Cuca.
Uma delas, que passo a
relatar é muito chocante e nunca saiu de minhas lembranças.
Contavam que um pantaneiro,
certa manhã deixara seu filho de uns três anos sozinho em casa, já que a esposa
e a filha mais velha haviam viajado em uma lancha para uma cidade próxima de sua
propriedade, para, na menina ser aplicada alguma vacina.
Como havia um serviço que
deveria ser feito foi-se o pantaneiro a pé, levando ao ombro uma enxada e uma
foice, na cintura levava um facão e em uma das mãos uma espingarda de grosso
calibre, já que a região à época era cheia de animais como suçuaranas (onça
parda), onças pintadas, jaguatiricas e outros animais, deixando o menino dentro
de casa, mas teve o cuidado de deixar a mão da criança alguns alimentos, caso o
petiz sentisse fome enquanto ele, com afinco iria para um roçado aonde
plantaria uma bela gleba de milho. Teve a precaução de fechar a porta deixando
apenas uma janela aberta.
SUÇUARANA - conhecida também por onça parda ou puma.
Do lado de fora da casa
deixou solto seu fiel amigo, um belo cachorro, grande e feroz. Companheiro de
todos os momentos, grande farejador que o auxiliava nas diversas incursões para
caçar algum animal para a alimentação da família. Tal cachorro muitas vezes não
esperava que seu dono atirasse na caça e enfurecidamente se atracava feito
louco, conseguindo muitas vezes dominar o animal que iria ser abatido.
Onça - Onça pintada.
O trabalho, no roçado, lhe
tomou muita atenção e tempo e quando se deu por conta já era quase meio dia e
em sua cabeça começaram a brotar mil e um pensamentos, pois se esquecera de
alimentar seu valoroso e fiel amigo.
Porém os pensamentos
começaram a atormentá-lo e um desespero tomou conta de sua mente. Pensava e
pensava.
Será que esse cachorro ao
sentir muita fome não poderia atacar a pequena criança?
Seus pensamentos turvos
levaram a um quase desespero.
Largou o que estava fazendo e
as pressas voltou para casa com aquele pensamento que corroía sua mente.
Feroz amigo.
Pensava e pensava numa cena
terrível, pois o seu amigo era um animal fiel, companheiro, porém muito feroz.
Ao aproximar-se de sua
casinha, como um louco quase correndo viu o cachorro pular pela janela, saindo
de dentro de sua casa e em sua direção correu sacudindo alegre seu rabo, numa
felicidade sem igual ao pressentir a aproximação do dono e amigo em quem tanto
confiava e protegia.
Quando o animal chegou
perto, o homem estarrecido, com sua espingarda na mão, viu seu amigo de todas
as horas todo ensanguentado. Sangue escorria de sua boca e seu pelo estava
vermelho de sangue.
Pavor total.
O cachorro ao sentir fome teria
atacado o seu amado filho?
No desespero não titubeou e
com raiva e maus pensamentos levantou a espingarda e ali mesmo atirou, ferindo
mortalmente seu fiel companheiro, que estirado ficou no campo que tanto guarnecia.
Com os olhos cheios de
lágrimas, já quase em prantos, correu o mais que podia para ver seu
desafortunado filho.
Ao abrir a porta de sua
simples casa deparou com o menino em um canto da sala, chorando, assustado e
com muito medo.
Cego pelos pensamentos e
pelo clarão do Sol adentrou ao recinto meio escuro, com coisas jogadas pelo
chão, cadeiras derrubadas e muito sangue no soalho ou assoalho de toscas
tábuas. Nesse total desespero viu em outro canto daquela mesma sala uma onça
pintada moribunda e ensanguentada, com o pescoço todo dilacerado.
Quantas vezes no desespero não
conseguimos concatenar nossos pensamento e agimos de forma brutal e ensandecida.
Pobre e fiel cachorro, ao
defender o filho de seu grande amigo assinara sua sentença de morte e o
infortúnio o levaria pelas mãos desse melhor amigo em quem ele tanto confiava e
protegia.
Que isto sirva de exemplo
para que nunca, de cabeça quente façamos qualquer coisa, pois o melhor e parar
e pensar, esfriar a mente. Infelizmente seu melhor amigo foi morto após expor
sua própria vida, em uma luta desigual contra uma onça, em defesa do filhotinho
humano desprotegido, filho do amigo que num momento de desespero não pensou
duas vezes e o matou. Tirou a vida do grande herói e salvador.
Nota: Desculpem a qualidade das fotos de família, são muito antigas.