Em 1943, corria solta a
Guerra na Europa, milhões de vidas eram desgraçadamente ceifadas por conta de
um austríaco louco chamado Adolf Hitler, seguido por toda a Alemanha demenciada
pela dita pureza de raça. E nesse ano as tropas do Exército Vermelho cercaram
e retomaram sua cidade histórica de Stalingrado, um dos maiores feitos
realizados contra as forças invasoras alemãs, húngaras, romenas e as vexatórias
tropas italianas. A União Soviética mostrava ao mundo que a agressão ao solo de
sua Pátria não ficaria sem uma dura punição e consequente destruição do III
Reich alemão.
Nesse ano nasceria a 12 de
julho meu irmão Joaquim Luís, a alegria para meu pai duraria pouco, mas a
levaria no coração, pois neste mesmo mês foi destacado com seu Batalhão de
Infantaria para guarnecer o Porto de Rio Grande, onde havia, entre outras
coisas, pequenas Refinarias e depósitos da Esso e da Ipiranga. A Companhia
Brasileira de Petróleo Ipiranga foi a primeira destilaria do Brasil, fundada em
1934, na cidade de Uruguaiana, no meu Estado do Rio Grande do Sul e que no ano
de 1937 instalaria uma Refinaria nesta cidade portuária de Rio Grande, próximo
à Pelotas, hoje é a segundo maior empresa do ramo no país, possuindo quase sete
mil postos de abastecimento de combustíveis.
Havia a possibilidade,
segundo as autoridades de que navios ou submarinos alemães atacassem aquele
porto, para darem inicio a uma invasão, já que a “alemoada” aqui em nosso
Estado estava toda assanhada e queria ver o circo pegar fogo e transformar o
nosso Rio Grande do Sul em enclave alemão na América do Sul, e sonhavam fazer
parte do III Reich, com o apoio da Argentina que andava algariada com as ideias
fascistas.
E depois muitos reclamam das
surras que lavaram aqui dentro de nosso Estado pela Gauchada ofendida por esses
traidores da Pátria que os acolheu, e os Gaúchos foram atrás e passaram o relho
e o pranchaço nos alemães batatas. Obviamente não foram todos, mas uma boa,
grande e desequilibrada parte, que até hoje não se considera brasileira. Muitos são racistas e continuam arrogantes.
Apesar da ausência de meu
pai, mamãe, Maria Joaquina de Castro Teixeira, dava conta do recado em criar, mesmo que momentaneamente sozinha
dois filhos, sendo um de colo.
Certa noite de agosto,
Joaquim Luís, com muitas cólicas custava a pegar no sono, chorando muito.
Mamãe, numa época sem recursos em que se curavam dores e doenças a base de
chás, nada tinha o que fazer para amenizar as cólicas do filho, a não ser
embalá-lo em seus braços, assoviando uma canção de ninar e caminhando quase às
escuras, já que havia os tais blackouts, o que na verdade nem precisava, pois o
fornecimento de luz era deficitário, uma verdadeira porcaria.
Caminhava desde a sala até a
cozinha, num ir e vir contínuo, na tentativa de fazer dormir meu irmão.
Deixou uma lamparina, de luz
fraca em uma peça intermediária, e tantas vezes foi e voltou, mas Joaquim Luís
não conseguia dormir.
Ao chegar à cozinha, que era
uma peça longa e estreita, cujo forro cobria apenas a metade da peça, mamãe
ouviu um barulho nas telhas, exatamente onde não havia o forro, parou e
observou no escuro o que poderia estar fazendo aquele barulho.
Para sua surpresa e susto
viu uma telha sendo deslocada do lugar, pois enxergou o céu estrelado abrir-se
a seus olhos.
Com o coração disparando,
continuou a assoviar baixo e foi até seu quarto, ao lado da peça em que estava
a lamparina. Ao ali chegar, deitou Joaquim Luís em sua cama, abriu a gaveta do
criado-mudo, feito de tábuas simples pintados com tinta a óleo de cor rosa, mas
ostentando um tampo em mármore rajado branco e rosa e desta retirou um Revólver
Royal HB.38, fabricado nos States em 1922, niquelado, que meu pai ganhara em uma
rifa no ano de 1936 logo que havia sentado praça no Exército.
Calma e silenciosamente
abriu a janela de seu quarto que dava para um pátio interno e desta pode ver a
vulto enegrecido pela noite, de cócoras sobre o telhado tirando mais uma telha.
Sem medo, pensou
primeiramente em seus dois filhos Ieda de Lourdes de quase quatro anos que
dormia tranquila no quarto da frente e do pequeno Joaquim Luís com apenas um
mês de vida, e como não havia outra coisa a fazer, levantou o revólver e
disparou uma única e certeira vez, derrubando de cima da casa o tal larápio.
Ouviu apenas o barulho de um
corpo cair para o outro lado da casa, dentro de nosso pátio, ao lado do
Corredor das Bochas, que era uma servidão de passagem que ligava a chácara do
Sr. Ricardo Stein e Dona Susana Klomp Stein, à Rua em que morávamos.
Mamãe passou a noite em
claro, cuidando dos filhos, mas sem deixar de carregar o revólver em sua destra
para todo o lado que fosse.
Ao clarear o dia,
ainda com pensamento de todos os tipos em sua cabeça, foi até uma janela
lateral, abriu seu postigo e através do vidro deu uma olhada pelas cercanias e
nada viu.
Com o revólver bem seguro, lentamente
abriu a porta da cozinha e com o coração disparando olhou bem todos os cantos
do pátio. Nada vendo saiu para rua, momento em que viu pingos de sangue que iam
em direção ao portão que dava acesso a rua. Como o pátio era aberto, cercado
apenas por fios de arame farpado, mamãe colocou estrategicamente o revólver sob
o casaco para não ser visto por algum dos vizinhos, que certamente ouviram o
estampido naquela noite ou algum passante e foi devagar até o portão olhando
para o lado onde havia pingo de sangue e nenhum corpo viu pelas cercanias.
O tal larápio além do tombo
de mais de três metros e meio, levava uma bala em algum lugar de seu corpo.
Em seguida varreu o pátio,
tirando as marcas que haviam ficado.
No mesmo dia, mamãe mandou
alguém chamar Vovô Garcia, que morava na época a mais ou menos a uns 120 metros
de nossa casa, em uma rua lateral. Esse sempre envolvido com segurança, com a Policia Militar, Civil a Guarda Noturna, não se
fez esperar, e próximo ao meio dia daquele mesmo dia foi ver mamãe, que a ele
relatou o ocorrido.
Disse então Vovô Garcia que
ela não se preocupasse, pois ele passaria na Santa Casa de Misericórdia para
ver se alguém baleado havia dado entrada naquele hospital e também iria à
Delegacia de Polícia ver se havia alguma ocorrência relativa ao caso.
Não houve nenhum registro de
pessoa baleada naquela noite, o que tranquilizou mamãe.
Passado alguns poucos anos,
fato contado por minha própria mãe, o Senhor de nome Papaleo, chefe da Guarda
Noturna surpreendeu um meliante na mesma tentativa sobre a casa dos padres, uma
casa em diagonal com a Catedral São Francisco de Paula.
Essa Catedral surgiu como
uma Capela em 1813, por iniciativa do Padre Felício da Costa Pereira, porém
somente tomou as configurações atuais em 1947/48, quando foram construídas a
Cripta e a grandiosa Cúpula, com o desenho do arquiteto Roberto Offer em 1847 e
somente então terminada pelo arquiteto Vitorino Zani e decorada riquissimamente
pelo extraordinário e conhecido pintor Aldo Locatelli.
Papaleo atirou e o meliante
mortalmente ferido se estatelou dentro de um tanque que ficava ao lado da
referida casa. Acionada a polícia o corpo foi recolhido e para a surpresa de
todos o larápio, cuja alcunha era “Cadelinha” tinha uma marca antiga de um tiro
na lateral da coxa direita, cujo projétil calibre 38 ainda estava meio encravado no fêmur.
Seria o tal meliante que
mamãe derrubou de cima de nossa casa?
Nunca saberemos.
Mas como dizem os
irresponsáveis “não temos provas, mas temos convicção”.