Foi um namoro que durara
pouco mais de um ano e já havia terminado há mais de cinco. Fora para ela um
vendaval de paixões que marcara muito seu jovem e terno coração adolescente.
Neste tempo muito sofrera e permanecera só, triste e cultivando uma impossível
esperança que a consumia.
Tornara-se triste e amarga,
sonhando com um reatamento que não tinha como acontecer, mas ela sonhava e sofria.
Numa tarde ensolarada de primavera,
há pouco havia chegado do quartel do Exército no qual servia há quase seis
anos, não encontrei meus pais, pois haviam saído para fazer algumas compras e a
casa apresentava um silêncio melancólico como jamais ocorrera. A luz do Sol
entrava pela janela e o movimentar sereno da leve cortina fez-me por um
instante parar e contemplar aquele tranquilo canto da sala, enquanto tirava a gandola e a colocava na guarda de uma cadeira.
Antes mesmo de ir para o
banho, parado em meio da sala, vestido apenas com a calça de campanha e
coturnos, com o peito nu, ouvi barulho no portão social. Pequeno e leve portão
de ferro pintado em cor azul claro. Parei por um instante ao lado da mesinha de
centro como se auscultasse o próprio silêncio que após se fizera.
Em atenção permaneci e antes
de tirar o cinturão com a pesada pistola da cintura para colocar sobre a
cadeira onde havia deixado em sua guarda a suada camisa de campanha, conhecida
como gandola, soou a campainha.
Imediatamente fui até a
porta e quando a abri uma surpresa muito grande tomou conta de mim. Com alegria
vi ali parada, linda e serena aquela, agora, doce mulher, que ainda não
completara os 23 anos com um conjunto leve de saia e casaquinho cor-de-rosa
clarinho, blusa branca, sapatinhos baixos, brancos.
Ostentava uma corrente de
ouro em volta de seu fino e delicado pescoço, que pendia sobre o peito arfante.
Bonita e formosa, jovem
maravilhosa, bem vestida e com seus negros cabelos ondulados e belos, porém
carregava o mesmo semblante extremamente triste de quando a deixei anos antes.
Surpresa e encantamento, saudades
dos bons e quentes momentos que passamos junto. Agora mais amizade e respeito
do que qualquer outro sentimento.
Aos poucos ela foi levantando
o pálido rosto e seus olhos negros brilharam como duas estrelas contemplando-me
a sua frente. Não sorriu. Seu rosto tornou-se pesado e com uma profunda
tristeza. Tive a impressão de que ela iria chorar. Titubeante e engasgando-se
nas palavras quase não conseguia falar, mas seus olhos percorriam meu pleito e
braços.
Meus pensamentos confusos
deixaram-me sem ação, mas contendo-me em total respeito àquela mulher tão
frágil e submissa. Tão terna e passiva a qualquer vontade, a qualquer loucura,
porém nada podia fazer para não machucar mais aquele já estraçalhado coração,
apenas sorri e perguntei como ela estava.
Sem dizer nenhuma palavra,
de olhos baixos, limitou-se a entregar, com as mãos trêmulas um envelope e com
esforço e ternura, uma ternura quase suplicante disse que era para os meus
pais, mas que eu podia abrir e ver.
Olhando-me fixamente
permaneceu enquanto eu abria o envelope e dele tirava um belo convite. Era o
convite de seu casamento.
Meu coração foi tomado de
uma grande alegria. Agora me sentia livre daquelas nostálgicas amarras que
insistiam em prendê-la a mim. Um sentimento inexplicável de culpa parecia ter
se apagado de meus pensamentos.
Mas que culpa teria eu?
Que dor e sofrimento teria
causado àquela bela mulher?
Uma coisa insana que há
muito me atormentava via naquele momento esvair-se. Ela finalmente havia
encontrado alguém que a amasse verdadeiramente e a fizesse feliz. Era o que eu
esperava realmente.
Com os olhos baixos
despediu-se sem nada dizer, dando-me a mão trêmula, hesitante e confusa.
Por um bom tempo permaneceu
segura a minha, parecia não conseguir ou não querer soltá-la. Titubeante levantou
os olhos e aos meus fitaram com afeto e ternura, coisa difícil de descrever.
Seus olhos negros brilhavam profundos e tristes, sua mão macia e delicada
apertava a minha como num pedido de misericórdia e por um bom tempo permaneceu
fitando-me com um carinho intenso, devastador e extremamente submisso. Pendeu
levemente a cabeça quase encostando a meu tórax. Ela nada disse apenas me contemplava
e eu calado permaneci, pois nada que dissesse aliviaria o seu coração.
Após aquele devastador
momento para ela, virou-se devagar como se não quisesse ir, como se suplicasse
que eu não a largasse. Doído momento. Virou-se e caminhou lenta e incerta para
o portão enquanto eu com dó admirava seu corpo esguio, mas cheio de provocantes
sinuosidades, belo e atraente.
Ao chegar ao portão, parou e
continuou por um tempo de costas, pensativa, olhando para cima onde um belo céu
anil descortinava-se límpido e infinito, rogando, pedindo e implorando para que
eu a chamasse para os meus braços.
Um duro momento que carrego
claro em minhas lembranças, quando vagarosamente virou-se, fitou-me de longe e
suavemente, como se planasse em seu caminhar delicado voltou tão incerta e
titubeante quanto havia saído.
Parou de mim tão próximo que
podia sentir o seu cheiro tão conhecido, embriagante e sedutor. Podia sentir o
seu hálito doce e perfumado. Seus belos olhos tristes levantaram-se e aos meus
penetraram tão profundamente quanto era o seu amor e com uma submissão como
jamais havia visto. Imensamente submissa, escrava de uma até patológica paixão.
Paixão tão doentia que a tornava refém de qualquer desejo. Refém de qualquer
querer. Refém de qualquer capricho.
Seus lábios tremiam. Seu
rosto já pálido transfigurou-se e quase imperceptivelmente balbuciou algumas
palavras que vinham do fundo de seu sofrido e jovem coração, fazendo imenso
sacrifício para não chorar.
Trêmula virou-se mansamente,
como se não quisesse ir e sumiu vagarosa rua afora sem olhar para trás,
carregando uma ampla tristeza, uma tristeza tão grande, sufocante e contagiante
que eu tive vontade de correr em sua direção e beijá-la, envolvê-la com carinho
em meus braços e pedir-lhe perdão por aquele tão grande e louco amor não
correspondido.
Mas para quê?
Para fazê-la sofrer mais
ainda?
Meu coração voltou às
antigas amarras de culpa, dó e dor.
De meus pensamentos o que
ela, num momento tão sofrido havia dito, mesmo que com palavras tão difíceis de
serem ditas, sufocadas, amordaçadas, balbuciadas, quase inaudíveis, mas com
tanto amor e carinho, com tanta paixão e tristeza, com tantas súplicas e
submissão que jamais se apagaram e jamais se apagarão de minha memória enquanto
eu viver ou eternamente.
- Estarei te
esperando, suplicando, chorando e implorando que vás me buscar e mesmo que no
altar esteja, largarei tudo para te acompanhar.
Lamento.
Lamento profundamente.
Lamento que um dia tenhas me
amado tanto.
Lamento que eu não tenha
correspondido a tanto, transbordante, magnífico e louco amor.
E o tempo passou, a dor
ficou como garras em meu peito cravadas, mas infelizmente não havia o que
fazer.
Perdoe-me.
Infelizmente não somos os
únicos donos de nossos destinos.