Meses antes de assumir um
cargo na Diretoria do SINTESA, Sindicato Dos Trabalhadores em Educação de
Sapucaia do Sul, exercia minhas funções como Referência na Biblioteca Pública
Euclides da Cunha dessa cidade e em uma certa manhã adentrou ao recinto um
cidadão branco, de origem alemã, ao qual, prestativa e educadamente atendi.
O
referido cidadão mostrando inconformismo me disse com desdém:
- Não sei por que a
professora de minha filha pediu à ela um trabalho sobre os negros...
Antes de dizer qualquer
coisa o referido homem, em tom de crítica concluiu:
- Não entendo porque, mas
deve ser alguma coisa sobre samba ou futebol.
Passivamente solicitei ao
dito cidadão que sentasse e aguardasse um minuto, pois traria para ele alguns
livros sobre o assunto:
Com o coração acelerado de
nojo pela maneira que tal cidadão se referia fui até as prateleiras e
trouxe-lhe uma braçada de livros sobre os negros:
Trouxe em meus braços vário
livros e ele sem entender ficou pasmo me olhando, e eu sem sorrir fui
entregando livro por livro e falando o que versava cada um.
- Aqui estão, senhor, alguns
livros que falam sobre os negros, e a ele fui passando livro por livro e fazendo
um breve relato sobre esses negros.
O primeiro livro que passei
as suas mãos foi um livro que tratava da vida de Machado de Assis, dizendo: Este
é sobre Joaquim Maria Machado de Assis, nascido no Rio de Janeiro em 1839, que
além de ser o maior escritor brasileiro, de vários gêneros literários, foi
poeta, romancista, cronista e crítico literário, que além de ter escrito as
obras como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e
Jacó, Ressurreição, A mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia, entre outras famosas
obras. Também como funcionário público, em pleno Império Escravagista passou
pelo Ministério da Agricultura e de Obras Públicas, fundou e foi o primeiro Presidente
da Academia Brasileira de Letras, ungido por unanimidade ao cargo.
- Este outro é sobre André
Rebouças, que foi engenheiro militar e serviu na Guerra do Paraguai, tendo
desenvolvido um torpedo que alcançou grande sucesso, e mesmo dentro de uma
sociedade racista foi apresentado ao Imperador Dom Pedro II e a esse apresentou
seu projeto da construção da ferrovia de Curitiba ao porto de Paranaguá na
então Província do Paraná, foi ele um dos representantes da pequena classe
média negra que muito contribuiu para o desenvolvimento do país, morando e
trabalhando em países europeus e em 1892 aceitou um emprego como engenheiro em
Luanda e depois em Funchal, na Ilha da Madeira, é nome de avenida na cidade de
São Paulo e nome de cidade no Paraná, homenagens feitas pelo seus grandes
serviços prestados à Nação.
Este outro, entregando-lhe o
terceiro livro, é sobre a vida do Doutor Joaquim Benedito Barbosa Gomes, atual
Presidente da Suprema Corte. Homem sério, inteligente e ilibado, que já está
sendo indicado por muitos para ser candidato a Presidência do Brasil.
E assim, a cada livro fazia
uma rápida explanação e fui amontoando livros e mais livros sobre negros
notáveis, como José do Patrocínio, farmacêutico, escritor, jornalista, orado e
ativista político:
- Doutor Milton Santos, maior geógrafo do Brasil e professor em grandes Universidades
não só no Brasil como nos Estados Unidos, Canadá e França, inclusive na Sorbonne:
- Doutor Luiz Francisco Correia Barbosa, ex-prefeito de Sapucaia do Sul, Oficial R/2 do
Exército, Delegado e Juiz, particular amigo e conterrâneo.
- Doutor Albuíno Cunha de Azeredo, Engenheiro e Governador do
Estado do Espírito Santo:
- Doutor Alceu de Deus Colares, advogado e Ex-governador
do Rio Grande do Sul, outros, outros e outros, uma montanha de livros, -
Finalizando
com vários livros sobre a Revolta da Chibata (1910) encabeçada pelo marinheiro negro
Rio-grandense do Sul, de Encruzilhada do Sul, João Cândido Felisberto, que aos
13 anos já era marinheiro e que fez a maior revolta dentro da Armada
Brasileira, onde ficou conhecido como o Almirante Negro, chegando a bombardear
a Capital da República, na época a Cidade do Rio de Janeiro e acabando por vez
com os açoites terríveis que os marinheiros eram submetidos por uma oficialidade
ainda escravagista e metida a superior, pois a maioria dos marujos, bravos
defensores da costa brasileira eram negros e pardos e pertenciam a maior
marinha do mundo, na época, superando inclusive em número de vasos de guerra a
marinha do poderosíssimo Reino Unido.
O homem, embasbacado, pálido
e azedo ficou sem reação e por mais de uma hora copiou algumas coisas para
levar à sua filhinha.
Ao devolver-me os livros
disse, com o olhar perdido e com sua arrogância por terra:
- Eu não sabia que havia
tantos negros importantes no Brasil.
Nada lhe disse apenas o
contemplei com pena. Pobre coitado.
Talvez nunca mais a arrogância
e a discriminação tenham passado pela sua vida, pois viu que cor de pele não é
motivo para desfazer deste ou daquele.
Tomara que tenha aprendido.