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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Entre o Céu e a Terra - 3

O Soldado

Na Primavera de 1969 , após o toque da Revista, às 21 horas, reuniram-se na sala do Oficial de Dia, junto a esse, o Sargento Adjunto, os Sargentos de Dia dos dois Batalhões e os Sargentos de dia das Companhias, a fim de organizarem as escalas de Permanência e Ronda.

A Permanência seria desempenhada por um grupo de Sargentos de Dia e o Sargento Comandante da Guarda, que se revezariam, no Corpo da Guarda, durante a noite até o toque da alvorada, para que todos pudessem dormir algumas horas.

Outro grupo, composto pelo Oficial de Dia, Sargento Adjunto, Sargentos de Dia aos Batalhões e os outros Sargentos de Dia às Companhias, fariam a Ronda, tormento de muitos Plantões, Guardas e Sentinelas.

O Corpo da Guarda, ficava estrategicamente situado junto ao Prédio de Comando, na parte Frontal do Regimento. A Guarda aí estacionada era Chamada de Guarda 1, ou simplesmente G-1.

Nessa noite, estava eu de Sargento de Dia de minha Subunidade, a Companhia de Comando do 1º. Batalhão, conhecida como CC-1 e desempenharia minhas atividades noturnas, além das funções normais de Sargento de Dia, as de Permanência, inspecionando todos os militares que entrassem no então Regimento, já que após o toque de silêncio ninguém poderia sair, a não ser oficiais.

Faria o meu turno no horário da meia-noite às duas horas daquela inesquecível noite.

Para não perder meu horário, pedi ao terceiro sargento Francisco, que estava de comandante da Guarda 1, e que faria seu turno de permanência, das 22 às 24 horas, que mandasse um soldado da guarda me chamar as 23h45mim, minutos antes do meu horário de ronda. Assim teria algum tempo para descansar, mesmo que fosse uma hora e meia. Entre vários soldados eu não sabia quem iria me chamar.

Assim acertado dirigi-me a minha  Companhia, última Subunidade da Avenida central do Regimento, a esquerda logo passando o Rancho, para os acertos finais com o Cabo de Dia e com os plantões e ali descansar após um dia estafante de serviços, já que durante o expediente exercia as funções de datilógrafo do Boletim Interno da Unidade em Pelotas sediada, na época, 9º RI.

Ao chegar à CC-1, após a inspeção habitual, dirigi-me a um quarto que ficava no fundo do alojamento dos soldados, que era o chamado Quarto dos Cabos. Era a única Companhia do Regimento que possuía um quarto reservado aos Cabos.

Era um quarto de bom tamanho, com armários e duas camas. Uma junto a parede divisória da Reserva, onde eram armazenados a carga da Companhia, na época sob a responsabilidade do Subtenente Natalício, e a outra cama sob uma grande e alta janela.

Escolhi a cama sob a janela, já que ficava protegido de forte luminária do pátio da Companhia que iluminava a cama oposta. Antes de deitar-me, fechei a porta com um trinco, tipo ferrolho, e após tirei o cinturão com o revólver carregado com seis lindas azeitonas ponto 45 e o capacete, e os pendurei na cabeceira da cama, bem a mão se fosse necessário. Vivíamos o período da ditadura.

Tão logo encostei a cabeça no travesseiro, o cansaço me abateu e dormi um belo e profundo sono.


Acordei com um soldado da Guarda 1, ao lado de minha cama, chamando em voz baixa, e dizendo “está na hora de sua Permanência”. Acordei de imediato, virando-me na cama, pude ver, devido a luz da luminária externa o referido soldado.

Era um recruta negro, como são esses haitianos que migraram para o Brasil, com a braçadeira verde em seu braço esquerdo, com o grande “G” e o número ‘1”, em cor branca, o que facilitava a identificação.

No momento em que o vi disse:

- Ah! Obrigado por teres me acordado e vamos que temos uma noite pela frente.


De pronto, levantei-me, ficando de costas para o soldado e no momento em que colocava o capacete, por baixo de meu braço direito vi o referido soldado sair pela porta do quarto. Peguei o cinto com o revolver pesado no coldre, e colocando-o na cintura fui sair. Para minha surpresa a porta estava fechada pelo lado de dentro com o tal trinco-ferrolho.


Dei um passo atrás, olhei bem pelos cantos do quarto, respirei fundo e abri o ferrolho e a porta, momento em que conferi em meu relógio Technos, comprado na Joalheria Pinto Ferreira, em 3 de janeiro daquele mesmo ano, quando constatei ser 23 horas e 44 minutos, relógio que ainda guardo, pois deixou há muito tempo de funcionar.


Ao sair do quarto observei o plantão movimentar-se perto da porta que saia para o pátio lateral esquerdo da Companhia, ao dele me aproximar falei baixo para não acordar algum soldados dos muitos que dormiam a sono solto:

- Calçada, alguém entrou no quarto dos Cabos?

- Não senhor! - respondeu o soldado Calçada e completou - Apenas ouvi o senhor resmungando.

- Tudo bem, esqueça isto e me diga se está tudo bem no teu “quarto”?

- Está tudo bem. Respondeu o ainda menino soldado, branco, meio aloirado, muito educado e prestativo.

“Quarto” no linguajar militar refere-se ao período de tempo que um plantão, guarda ou sentinela fica em seu posto de serviço, durante o dia ou à noite, que na verdade não é quarto de hora e sim duas horas inteiras. Sempre o homem neste período de duas horas, é pontualmente substituído por outro, armado, descansado e alimentado.

Sai da Companhia, meio cismado e quando cheguei a Avenida central do Regimento, chamada de Duque de Caxias, que não deve ser confundida com a Avenida que fica em frente ao Regimento, também chamado de Duque de Caxias, fui bem pelo meio da avenida, olhando para todas as sombras junto as arvores que ladeavam aquela para mim tão familiar avenida, a qual quando menininho pelos anos 49 e início dos 50 corria por seu empoeirado leito, já que não havia naquela época calçamento e as companhias não tinham paredes de alvenaria, eram feitas de grandes e grossas folhas aço ondulado, que com o tempo foram cedendo lugar aos tijolos.

Havia crescido dentro desse Regimento, onde meu pai serviu por mais de 24 anos, até ser transferido para o Arsenal de Guerra, em General Câmara onde veio a ser promovido a Primeiro Tenente e meses depois passar para a reserva.


Ao chegar entre a CPP1 e CPP2, duas Companhias de Petrechos Pesados pertencentes uma a cada Batalhão, pois havia dois nessa época, vi se esgueirando entre a parede da CPP-1 e as árvores da avenida, pelas sombras, um vulto, que ao me ver, foi logo perguntando, momento em que perfilando-se bateu continência:

- O senhor é o Sargento de dia da CC-1.

- Sim. Eu mesmo. - Disse ao recruta que saia das sombras, completando: 
 

– Tu me acordaste há alguns minutos.

Ao chegar mais próximo, já sob a luz das luminárias da avenida, pude confirmar efetivamente que aquele soldado que estava a minha frente era o mesmo que havia me acordado.

Contei após para o referido soldado e também para o sargento Francisco o ocorrido, e eles ficaram impressionados, porém aquela foi uma das mais tranquilas noites de serviço naquele regimento. Pois estas coisas nunca me deixaram preocupado.

Coisas que carrego desde menino e nunca me impressionaram, vejo como coisas normais, que ainda sem uma explicação sólida estão aí, entre o Infinito Universo e a Terra. Mas um dia teremos o conhecimento para entendê-las sob a luz da razão.



Fins aviat, amics meus.

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