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domingo, 5 de dezembro de 2021

Adi Fortes - Um Verdadeiro Taura.

            


Quanta saudade?

               Adi Fortes, sua filha Mara e o touro Nordeste.

Esse taura chamava-se Adi Fortes, pelo duro, Gaúcho por excelência, missioneiro nascido pelas quebradas de São Luís Gonzaga que passara algum tempo em Palmeira das Missões, mudando-se depois para Dourados no Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul.

Adi era um taura buenacho, tez morena, era um índio de vastas gadelhas negras como mamangava, despachado, sério e mui honesto.

O tapejara, por sua honestidade e firmeza me cativara no primeiro encontro, que na época era um garotão de quando muito, quarenta e cinco anos, era um amigo do peito, pra lá de leal, que se fosse necessário comprava camorra, mas não te deixava solito pagando vale. Macanudo, verdadeiro e taita por excelência. Um irmão mais velho, cujas palavras sábias eram ouvidas e guardadas com muito respeito e carinho.

Ultimamente tenho sonhado bons sonhos contigo, leal amigo e lamento que meus filhos tenham crescido longe de ti, exemplar guerreiro, virtuoso, taita, pois gostaria que eles o tivessem conhecido melhor, sendo um segundo pai ou um avô e tivessem em ti mais um exemplo, apesar de tê-los criado dentro da mesma visão de mundo. Trabalho e honestidade.

Costumava ficar longo tempo chimarreando com Adi, saboreando uma erva de carrijo ou barbaquá das buenachas. E na arte do mate amargo ele era um verdadeiro mestre e exímio cevador. Um homem despachado e sério, mas não levava qualquer um para compadre, muito menos algum alcaide ou gaudério.

Proseávamos horas sobre a dura vida de campo que ele como ninguém sabia nos mínimos detalhes, pois desde piá aprendera as lides campeiras. Não se arrolhava para qualquer quera caborteiro (o acordo ortográfico tirou o trema das palavras, mas a pronuncia continua a mesma – cuéra) e não baixava a crista pra qualquer um. Era topetudo.

Adi, casado com a doce senhora Lori, tinham quatro filhas, Fátima, Sonia, Mara, Nara e um filho, o mais velho, chamado Clovis, que na época contava com no máximo 16 primaveras.

Infelizmente a vida nos reserva momentos tristes também, pois levou a vida de Adi, meu irmão, sempre presente em meu coração. Também levou a ainda jovem Narinha e por último o bom e atencioso Clóvis. E se não me falham as catracas, todos vítimas dos agrotóxicos, que envenenam campos, matas, rios, animais e pessoas. Boas pessoas.

Adi permanece sempre vivo em minhas lembranças, aquele irmão mais velho que te trata com respeito, contando causos e fatos de sua vida. Ficava admirado com o que ele me confidenciava.

Sempre vou me lembrar daquela história que me contaste, sobre um casamento que foste convidado para ir lá pelas canhadas da Fronteira. Bela e arriscada história que foste protagonista, mas como me pediste segredo a guardo a sete chaves e comigo irá, um dia, para a catatumba.

Por outro lado faço questão de contar ao mundo àquela história que me contaste, do pobre índio sem sorte que tinha uma enorme ferida na perna e estava horrível, putrefata e tu, colega daquele peão o curaste com bichos de bicheira tirados de uma vaca que havia morrido. Salvaste uma vida pelo teu empírico conhecimento que quase trinta anos depois soube de um médico na Austrália que usou a mesma técnica.

Falávamos sobre tudo, mas nunca entramos naqueles assuntos que são os protagonistas das desavenças, de discórdias e brigas, como política, futebol e religião, pois sabíamos que as guerras religiosas são basicamente, pessoas matando pessoas para decidirem quem tem o melhor amigo imaginário. Nunca fizemos guerra um com o outro, pois o respeito e a camaradagem moldaram nossa amizade.

Meu irmão, o melhor espelho é um velho amigo e neste reflexo te vejo todos os dias, pois a morte te levou, mas a amizade perdurará enquanto eu viver.

Todo meu patrimônio eram meus amigos, assim sendo eu era um miserável, pois tinha poucos ou nenhum amigo, mas ao te conhecer foi como tirar na loteria, fiquei rico, pois tua amizade para mim foi o maior tesouro encontrado. Muitos hão de discordar, mas eu te conheci de uma forma fraterna, rica e pura e se convivemos pouco tempo, para mim foi o suficiente para te considerar como um irmão mais velho, um irmão sábio e conselheiro.

Dizer amigo é simples, mas ter um amigo como tu, foi grandioso e rico e sempre te disse que a melhor coisa que posso fazer pelo meu amigo é simplesmente ser teu amigo.

Andava meio descrente na humanidade e hoje ainda mais, porém, assim de relancina percebi que esta humanidade ainda pode ser resgatada através de homens como tu, meu irmão Adi. Mano velho.

Contigo, Adi, eu ri muito e juntos, na nossa fraterna amizade falávamos uma linguagem própria, um dialeto nosso, uma linguagem só nossa. Sei que aconteça o que acontecer, seja lá o que o destino nos reserve, sempre seremos amigos e mesmo longe, estaremos juntos, pois a morte não nos separou, ao contrário, nunca estivesses tão presente em minha vida como tens andado.

Meu irmão, quando eu cheguei nesta querência tu já aqui estavas, livre como um potro nos campos missioneiros, correndo descalço, espetando os pés com as flechilhas do chão, com as gadelhas peinadas pelo Minuano, voando livre como um pássaro e não te arrolhavas para nenhuma vicissitude da dura vida, vida árdua, mas como um exemplar pampeano soubesses fazer do amargor dos limões uma limonada, das pedras atiradas fizeste o pavimento de tua estrada, das palavras duras que ouvistes fizestes melodias, pois desde piá fostes corajoso, intrépido e topetudo.

Meu querido xiru.  

Neste tempo que se vai longe não imaginaria o quão importante tu te tornarias para mim, meu irmão, meu amigo.

Pois um grande amigo é um conforto na nossa vida, é uma certeza de amparo e amizade eterna. E tu me deixaste lindas e preciosas lembranças, mas junto com elas ficará eternamente grudada como carrapato em lombo de boi gordo esta saudade imorredoura do mano velho, conselheiro e amigo.

São muitos os viventes que entram e saem da nossa vida ao longo do tempo. Alcaides, caborteiros, colas-finas e outros tramposos, mas tu foste digno, irretocável e fraterno camarada, que passou a fazer parte de meu mundo.

O tempo passou, a vida mudou, mas as pessoas especiais que adormecem com a chegada da morte jamais serão esquecidas, pois enquanto lembramos e falarmos delas, elas estarão vivas em nossa vida e te digo que muitas vezes sinto a tua presença e sinto caminhando a minha volta, passos macios como de um sorro, observando, sorrindo e sempre muito preocupado com este amigo que não o ouviu quando devia.

Tu foste um amigo que soube estar ao meu lado e de tuas palavras não esqueço, foste o único a me aconselhar num momento de tantas dúvidas, numa encruzilhada tão difícil em minha jornada por este mundéu e se errei, como errei, foi por não ter botado tento na tua charla. Charla tão simples, tão emocionada e verdadeira.

Por isto, meu irmão, em reconhecimento tentei fazer uma homenagem, mas sei que tu dela não precisas, pois és muito superior a qualquer palavra, muito superior a qualquer loa, muito superior a qualquer elogio.

Hoje olhando para o passado vejo que tu foste único.

Mesmo sentindo tua ausência, tu estarás sempre presente em meu coração como uma estrela que nunca deixa de brilhar no céu e mesmo entre as nuvens carregadas de uma tempestade o teu brilho será visto com saudade, pois serve para mim como um farol a indicar o caminho a ser seguido.

Tua estrela jamais se apagará.

Elucidário     

Alcaide – Diz-se do homem sem serventia. Imprestável. 

Arrolhava – Acovardava.

Barbaquá – Diz-se da erva mate que é seca indiretamente e não sobre o fogo.

Botando tento – Prestando atenção.

Buenacha – Muito boa.                                                    

Buenacho – Muito bom. Ótimo.

Caborteiro – Velhaco, mentiroso, mau, trapaceiro.

Canhada – Lugar, local, entre coxilhas ou serras.

Carrijo – Diz-se da erva mate seca diretamente sobre o fogo.

Catatumba – O mesmo que catacumba – Maneira típica do Gaúcho falar.

Catracas – Cérebro, ideias, pensamentos.

Cevador – Aquele que prepara o chimarrão.

Charla – Conversa.

Chimarreando – Tomando chimarrão.

Cola-Fina – Homem citadino sem conhecimento das lides campeiras.

Flechilhas – Grama ou capim comun no RS. (Stipa neesiana).

Gadelhas – Cabelos, pelos, melenas.

Gaudério – Vagabundo (literalmente) Usa-se erradamente como Gaúcho.                  

Macanudo – Vem de Bacana. Palavra mui usual na Argentina e Uruguai.

Mamangava – Abelha grande, negra que vive solitária em ocos de paus e árvores.

Minuano – (neste caso) Vento frio e seco que sopra do sudeste no inverno, diz-se também de uma tribo indígena que habitava o sudoeste do Estado. Composição do amálgama Gaúcho, Ibéricos, notadamente o espanhol, charruas, minuanos e outros índios.                    

Missioneiro – Natural da Região das missões, oeste do Estado.

Mundéu - Mundo.

Pagar vale – acovardar-se, tirar o corpo fora. Não segurar uma contenda.

Pampeano – dos Pampas.

Peinados – (do castelhano) Penteados – Me peina el vento como una mano maternal. 

Pelo duro – Genuinamente rio-grandense (do sul) amálgama ibérico-pampeano, cujos cabelos são negros e de tez morena.

Piá – Menino pequeno – Palavra Charrua que quer dizer coração.

Proseávamos – Conversávamos.

Quebradas – O mesmo que local, lugar.

Quera – (cuéra) homem, indivíduo destemido, guapo, valente.

Querência – Lugar onde se nasceu e vive e dele quer voltar logo, após sair.

Relancina – Rapidamente. Num vu. Ligeiro.

Sorro – Graxaim, o mesmo que zorro. Manhoso, astuto, matreiro.

Taita – Homem protetor, paizão.

Tapejara – Homem conhecedor. Mestre em conhecimentos. Homem conhecedor dos caminhos.

Taura – Homem valente, destemido.

Topetudo – Valente, audacioso, destemido.

Tramposo – Vem da palavra castelhana trampa, armadilha. Sujeito trapaceiro, velhaco.

Vivente – Qualquer ser vivo – Homem, pessoa, gente.

Xiru – Procede das palavras Che Iru – meu amigo. Transformou-se pelo não entendimento em Xiru ou Índio.

   

 

4 comentários:

  1. Eu como um gaúcho criado longe da Querência Amada do céu de Anil, pois saí piá pequeno de lá.
    Achei teu texto muito legal tanto do ponto de vista do tratar de uma amizade quanto da linguagem utilizada.
    Saudades da "minha Pelotas".

    Abraços amigo Pedro.

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    1. Caríssimo Paulo.
      O grande amigo Adi Fortes foi uma amizade especial, pela compreensão, pelo respeito, pela verdade e por aquilo que se pode dizer sem errar - irmão. O tempo passou, ele veio a falecer deixando esse vazio, porém a amizade está preservada.
      Caríssimo Paulo, um grande abraço, muita saúde junto aos teus e que possamos trocar mais palavras amigas e sinceras.

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  2. Passei para lhe deixar um abraço e votos de Boas Festas. E ainda um pedido de desculpa, pelo comentário que deixei sem resposta durante meses a fio, em que não andei pelo blogue.

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    1. Olá Carlos Romão.
      Bom saber que estás bem neste tempo de pandemia. Almejo muita saúde e paz neste final de ano e que tenhamos um belíssimo ano novo. Grande abraço.

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