Para explicar a felicidade
poderíamos recorrer a montanhas de livros e citações. Poderíamos também recorrer
a centenas de pensadores, filósofos religiosos e teóricos e aí nos perderíamos
com Dalai Lama, Aristóteles, Gautama, Vardhamana, Marx, Epicuro, Freud, Comte,
Bentham, Stuart e outros. Poderíamos procurar dentro da Filosofia, da
Psicologia e mesmo nas religiões e buscar entender o que é, de fato, a
felicidade.
Procuraríamos em todos os
campos alguma explicação plausível para tal e conflitante estado de harmonia,
porém esbarro sempre no batido ser ou não ser, pois felicidade muitas vezes é
confundida com um estado de intensa alegria, o que não simboliza felicidade,
pois a alegria é passageira, diferente de felicidade que seria um estado
perene, pleno de harmonia e jubilo.
A felicidade não pode de
maneira alguma ser um caminho perene, pois muito lendo sobre relatos de pessoas
que se dizem felizes, deparo-me sempre com o iminente fim deste caminho, por
mais profundo e filosófico que seja o conceito e construção deste estágio, pois
há dois sentidos que vejo sobre tal estado psíquico.
O primeiro é o passageiro. O
passageiro é aquele cuja pessoa se sente extremamente confortável, um momento
de graça ou quase graça, otimismo, dinheiro, amigos, amores, poder e despreocupações,
que lhes dão essa sensação de euforia, alegria e segurança, porém podemos estar
à beira de um abismo e em momentos cair. Cair em profunda depressão, em angustias,
no pessimismo e medos, o que indubitavelmente prova que a felicidade não é este
estado ilusório de plena harmonia e sim um passageiro período de extrema
alegria, de conforto mental e serenidade.
O segundo, é prolongado e
desumano, é o estritamente personalista, onde as pessoas importam-se apenas com
o seu Eu, com suas vitórias e seu bem-estar, esquecendo que não estamos sós neste mundo
feroz. E aí estaremos navegando na hipocrisia de não se importar com os que
vivem, e a esmagadora maioria vive num estado de total desamparo, infelicidade
e dor. Muitos, mesmo cercado de outros, estão sós, absolutamente sós.
Tão só estamos que mesmo no
instante do pleno prazer, após intensos e doados afagos e carinhos com o
parceiro ou parceira, entregue plenamente à luxuria, no exato momento de um
magnífico orgasmo estamos realmente sós, pois o que sentimos é pessoal,
intrinsecamente pessoal, pois não sentimos o prazer do outro. O Eu e depois o
outro, mesmo que no compassado tempo, aquele momento é, sem sombras de dúvidas,
egoísta.
A felicidade no âmbito, digamos
“espiritual” salvo disposições em contrário é oposto a todos os conceitos mais
refinados de religiosidade que sempre traz no bojo a palavra amor. Se eu
professar o verdadeiro amor como posso me sentir feliz rodeado de tanta
desgraça. A não ser que meus conceitos de amor sejam estritamente voltados para
o Eu e os meus conceitos de felicidade sejam também egoístas.
Se assim for o Eu está acima
de tudo, não me importando com milhões de crianças que passam fome, com milhões
de seres humanos que neste exato momento estão sofrendo todos os tipos de
brutalidade. Fecho os olhos para não ver a destruição de animais e florestas,
fecho os olhos para não ver a destruição dos mares e oceanos e sua fauna.
Perdoem-me, mas eu não sou a
tal ponto egoísta. Não consigo fechar os olhos diante de tanta barbárie que o
próprio homem comete para enriquecer ou simplesmente ignorar que esta é a nossa
casa, e nós estamos, dia a dia destruindo, poluindo, matando.
Poderíamos discorrer também sobre
textos de Buda, Dalai Lama, dos antigos filósofos gregos que a chamavam de
eudaimonia ou mergulharmos no Jainismo, no Taoísmo, no Xintoísmo e em tantos
outros ismos a procura de uma definição concreta deste estado permanente de
plenitude, satisfação e equilíbrio psíquico e físico, em que não há
inquietações e sofrimentos e os sentimentos vão de uma intensa alegria ao
júbilo.
Zoroastro, cuja época de sua
existência não é precisa, mas calcula-se que tenha vivido pelo Século VII,
goela abaixo imposto pela Santa Igreja como sendo antes de Yeshua (a.C.), ao
perguntar à divindade Ahura-Mazda sobre o que era a felicidade, Zoroastro recebeu
a simples resposta que a felicidade é um abrigo contra o fogo e contra os
animais ferozes, ter mulher, filhos e rebanhos de gado.
Aí eu me pergunto:
Isto é felicidade?
Certa noite, quando cursava
a Faculdade de História, a Mestra de uma cadeira de História Medieval, a Professora
Mirian ao saber de meu ateísmo disse que os ateus não são felizes, não sabem o
que é a felicidade, ao que eu respondi:
- O que eu não entendo é
como um religioso, que fala em amor pode ser feliz sabendo de tanta maldade,
inquietudes e extrema miséria que muitos vivem. Eu por exemplo não posso ser
feliz vendo tantos homens e mulheres descalços, sem trabalho, sem dinheiro
vendo seus filhos famélicos morrendo de inanição. Isto não condiz com os mais
primários conceitos religiosos, quanto mais humanos. Realmente não posso ser
feliz, mas a Senhora, crente em Deus, há de regozijar-se diante da fome que
mata milhões de crianças e ainda dizer Graças a Deus que não é comigo e rir da
desgraça alheia.
Ela vermelha, ficou um bom
tempo sem nada dizer, olhando-me perdida e sem respostas mudou o assunto e não
mais questionou o meu ateísmo.
Passei a ver que as pessoas
que aparentam felicidade geralmente são as mais beócias, vivem num mundinho de
ignorância e mesmo na miséria qualquer coisinha as deixam “felizes” com o pouco
que tem. Vivem num verdadeiro mundo de Bob, sem saberem que guerras estão sendo
travadas, que hospitais estão abarrotados de crianças que já nascem doentes e muitas
morrem sem ter hospitais, que milhões padecem de fome, que milhões não tem
perspectivas.
Por este motivo me parece que
se confunde alegria com felicidade, pois um homem probo, de bons princípios
morais e éticos não pode se dizer feliz se tiver “conhecimento”, pois o
conhecimento leva indubitavelmente à infelicidade. Eu sei por isto eu sofro. Eu
sei, por isso não posso em hipótese alguma ser feliz. O sofrimento, a dor, o
infortúnio, a fome, as doenças e tantas outras coisas que se passam neste mundo
cruel com a esmagadora maioria, não deixam ser feliz o homem que sabe e se
importa com os desafortunados.
Como posso eu ser feliz
sabendo de tanta maldade, de tanta fome, de tanto ódio e de tantos descalabros
na vida desta humanidade nenhum pouco humana.
O filósofo grego Pirro de
Élis, dizia que a felicidade residia na tranquilidade.
Que tranquilidade?
Que tranquilidade temos sabendo
que um Pato Donald Trump, pode a qualquer momento iniciar uma guerra de
extermínio. Que tranquilidade podemos ter sabendo que o mesmo Pato quer
expulsar milhões de pessoas dos EUA e jogá-las na miséria de seus países de
origem. Que tranquilidade podemos ter sabendo que bilhões de dólares são gastos
por hora em armamentos. Armamentos esses cada vez mais devastadores e letais.
Enquanto isto milhões e milhões de pessoas morrem de fome, animais são
exterminados, florestas são devastadas e os oceanos são envenenados.
Ou será que eu sou o
Joãozinho do passo certo?
Vejo muitos dizerem que são
felizes. Pura e requintada hipocrisia, pois como pode ser uma pessoa feliz
sabendo que seus irmãos, homens, mulheres e crianças andam como cadáveres
circulando pelo mundo num verdadeiro circo de horrores em campos de refugiados,
assassinados por divergências religiosas e políticas, mortos por latifundiários
para se apropriarem de suas parcas e pobres terras.
Realmente não consigo
entender este estado mesquinho de harmonia que um discutível Jesus tenha
defendido o amor como elemento fundamental para atingir esta harmonia,
inclusive no patamar da felicidade. Mas se alguém ama como pode ser feliz com
tantos passando por uma infelicidade generalizada, doente, miserável e faminta.
AH! Dirá aquele fervoroso
religioso, que fecha os olhas diante da desgraça humana: Tu tens que buscar a
felicidade, pois ela é um bem para ti.
Como poderei ser feliz no
meio de tanta infelicidade. Ou sou um verdadeiro alienado ou sou um hipócrita arrogante.
Como aceitar que os outros sofram enquanto eu me digo feliz.
Não sou!
Não sou porque não sou
hipócrita e sofro muito pelos despossuídos, pelos marginalizados, pelos
discriminados, pelos que já nascem doentes, pelos famélicos e valetudinários.
Sofro ao ver tanta maldade, tanta hipocrisia. Poucos com tanto e tantos com
pouco ou nada.
Dá para ser feliz?
Dizia Aristóteles
que a felicidade pode ser atingida pela prática do bem, porém se alguém tem que
fazer o bem, pressupõe-se que alguém não está bem, e se alguém não está bem e
precisa de alguém para superar alguma vicissitude, como, diante deste dilema
alguém pode ser feliz.
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