Conta a lenda que o pássaro
joão-de-barro, com o coração partido ao descobrir uma traição de sua
companheira, fecha a porta de sua casa com barro trancando ali sua parceira para
que ela venha a morrer de fome.
Popularizou-se esta história
que ouço desde menino. É uma historinha boba e sem veracidade que contam por
grande parte do Brasil, pois o referido pássaro ocorre em quase todo o
território nacional, menos na Amazônia e em partes do Nordeste, adentrando parte da Bolívia, todo o
Paraguai, grande parte, norte e oriental da Argentina e por todo o meu amado Uruguai,
ex-Povíncia Cisplatina e antes conhecido como Banda dos Charruas.
Diz outra lenda, que aos
domingos e dias santificados o mesmo pássaro não trabalha na construção de sua
casinha singular feita de barro, gravetos e grama, em respeito religioso. Que
absurda bobagem. Que histeria.
Assim surgem as histórias
folclóricas, muitas das quais como estas, sem de pé e nem cabeça, desenvolvidas
por pessoas que de tão simples chegam a ser simplórias.
Talvez faça isso não por uma
vil vingança e sim por ter encontrado a parceira ou o parceiro morto por algum
motivo ou outro e em respeito lacra a portinha de sua casa para conservar
intacto seu parceiro e que não seja devorada por algum predador.
O joão-de-barro, cujo nome
científico é furnarius rufus, que se divide em cinco subespécies é um pássaro
que hoje habita até as cidades, aonde constroem suas casas em postes, árvore e
até em saliências de prédios, em janelas e convive bem com o temível bicho homem.
Muitos por não saberem
constroem suas casas sobre as células fotossensíveis da iluminação pública o que
mantém algumas lâmpadas acesas, e aí vem o serviço de manutenção e destrói todo o
seu longo e extenuante serviço de construção de sua simples, mas engenhosa
morada.
Chamado no Uruguai de “hornero”,
de horno, ou seja, forno e em grande parte do Rio Grande do Sul de “forneira”
ou “forneirinha”, (aquele que faz o forno), pois sua casinha é igualita a um forno
de campanha para assar pães e outros alimentos.
Forno de campanha.
O joão-de-barro, também é chamado em algumas regiões de barreiro
ou barreirinho.
Esta é a ave símbolo da
Argentina, La ave de la Pátria, também chamada como no Uruguai de hornero.
Mas tua engenhosidade é
tanta que surpreendes os que não te conhecem bem, pois és criativo e como os
homens sabes usar o espaço para tuas construções solitárias, geminadas ou em
estonteantes prédios verticais o que contradiz que só o bicho-homem é
inteligente.
Muitas vezes em minhas
caminhadas matinais, muitos já acostumados com esse bicho mau que somos,
caminham ao meu lado, sorrateiros e por algum motivo interessados.
Olho-os com ternura, mas
eles, mesmo acostumados carregam a desconfiança, pois como todo o animal dito
irracional tem receio. Afinal o bicho homem não é confiável e nem todos são
pacíficos. Já vi animais humanos tentando chutá-los, massacrá-los pelo simples
prazer de fazer o mal.
Quando chegará o dia que esse
medo será apagado e que possamos realmente conviver com os animais de forma
pacífica e até carinhosa.
Ah, joão-de-barro perdoe os
homens, pois é o pior e mais daninho bicho que já caminhou na face da Terra.
Perdoe esse bicho ardiloso, mau e covarde.
Enquanto isto forneirinhas,
continuarei a admirar tuas construções, continuarei a te achar linda em tuas
penas delicadas e monocromáticas e o teu canto estridente, aquele canto que
dás quando chegas a tua casinha aonde te espera a tua companheira que
freneticamente canta e bate as asinhas, numa alegria contagiante.
Muitos, te
confesso hornero, são os bichos humanos que chegam a casa sem dizer uma
palavra, sem mostrar alegria e muitas vezes agridem suas companheiras e tem a
petulância de te chamar de irracional.
Aliás, muitos nem voltam para casa e
tudo abandonam.
Na verdade os irracionais
somos nós. Na verdade, “forneirinha”, não há maior irracionalidade do que a
humana.